Súmula 231/STJ: o início do fim

Campo Grande, 20 de junho de 2024

Por: Luciano Albuquerque Silva

DENTRO
Advogado Luciano Albuquerque Silva

O Superior Tribunal de Justiça pode estar prestes a promover o próximo grande overrruling na jurisprudência penal brasileira. Os dois últimos, a meu ver, trataram do reconhecimento fotográfico (HC 598.886/SC) e do ingresso ilegal no domicílio do morador (HC 598.051/SP), ambos de relatoria do Min. Rogério Schietti.

Desta vez, e sob relatoria do mesmo Ministro, a 3ª Seção poderá revogar o enunciado da Súmula 231 do STJ a partir de um REsp sul-mato-grossense, o 1.869.764/MS, de autoria da Defensoria Pública Estadual.

A discussão reside na impossibilidade de reduzir a pena abaixo do mínimo legal quando verificada a incidência de circunstâncias atenuantes, tese adotada pelo STJ desde 1999. Todavia, em que pese este entendimento tenha perdurado um bom tempo e esteja sendo revisitado somente agora em 2024, parte da doutrina sempre advogou no sentido contrário, já que a própria redação legal prevê que as atenuantes elencadas no art. 65 do Código Penal “sempre” deverão atenuar a pena[2].

Não bastasse esta imposição claríssima — que já explica a ausência de previsão no sentido oposto —, não existe no ordenamento jurídico brasileiro, sobretudo na análise dos artigos 59 e 65 do Código Penal, qualquer proibição para que o juiz reduza a pena abaixo do mínimo inicialmente estabelecido, fato que configura evidente violação ao princípio da legalidade[3].

Para além da mencionada violação, desconsiderar circunstâncias fáticas do caso em concreto que dão direito à uma pena menor para o acusado implica na inobservância do princípio da individualização das penas (art. 5º, XLVI, da CF), já que por conta da vedação estabelecida na Súmula 231, na prática, réus que são condenados pelo mesmo delito acabam recebendo penas similares mesmo estando em situações distintas[4].

Em exemplo trazido pelo Professor Franklin Roger Alves da Silva em um artigo publicado na Revista Conjur[5], basta imaginar o caso em que dois indivíduos praticaram juntos determinado crime e um deles, no momento dos fatos, tinha 20 anos de idade e decidiu confessar. O outro, por sua vez, é maior de 21 anos e ficou em silêncio na delegacia e quando ouvido em juízo.

No momento da sentença penal, considerando que inexistem circunstâncias judiciais negativas e a vigência da Súmula 231, ainda que o juízo reconheça as atenuantes da menoridade relativa e confissão espontânea em relação ao primeiro indivíduo, as penas serão igualmente fixadas no mínimo legal e, em verdade, pouco importou a condição pessoal do agente e também o fato de ter confessado a prática do delito.

Aí estão, a meu ver, os dois principais problemas principiológicos que serão corrigidos com a revogação do enunciado sumular, embora existam outros detalhadamente explorados no voto já apresentado pelo Min. Rogério Schietti[6].

Por fim, vale mencionar que na proposta feita pelo relator, este novo entendimento — pela possibilidade de redução — deverá ser aplicado apenas nos processos ainda não transitados em julgado, cabendo às Cortes locais, de ofício ou a requerimento das partes, aplicá-lo e, ao STJ, nos processos em que exista recurso especial – ou seus respectivos embargos ou agravos – pendente.

A mudança de entendimento nesta matéria reforça a ideia de que insistir no combate à precedentes obsoletos e prejudiciais à Defesa é muito importante, ainda mais considerando o impacto que o reconhecimento destas circunstâncias atenuantes, muitas vezes desconsideradas, pode causar na vida do encarcerado para fins de fixação de regime, progressão e etc.

 

Luciano Albuquerque Silva – Advogado criminalista. Pós-graduando em Direito Penal e Criminologia pela PUC/RS.

[2] “A previsão legal, definitivamente, não deixa qualquer dúvida sobre sua obrigatoriedade, e eventual interpretação diversa viola […] o princípio da legalidade estrita” (BITENCOURT, Cezar Roberto. Limites da pena-base e a equivocada Súmula (231) do STJ. Boletim do IBCCRIM, ano 22, n. 262, p. 8).

[3] “O limite de agravação da pena por circunstâncias legais é incontroverso: o princípio da legalidade proíbe que as circunstâncias agravantes excedam o limite máximo da pena cominada no tipo legal. (…). primeiro, não existe nenhuma proibição legal contra atenuar a pena abaixo do mínimo legal, porque o princípio da legalidade garante a liberdade do indivíduo contra o poder punitivo do Estado – e não o poder punitivo do Estado contra a liberdade do indivíduo10; segundo, o critério dominante quebra o princípio da igualdade legal (no concurso de pessoas, o corréu menor de 21 anos é prejudicado pela fixação da pena no mínimo legal, com base nas circunstâncias judiciais), porque direitos definidos em lei não podem ser suprimidos por aplicação invertida do princípio da legalidade11. Aliás, a proibição de reduzir a pena abaixo do limite mínimo cominado, na hipótese de circunstâncias atenuantes obrigatórias, constitui analogia in malam partem, fundada na proibição de circunstâncias agravantes excederem o limite máximo da pena cominada – precisamente aquele processo de integração do Direito Penal proibido pelo princípio da legalidade” SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal: parte geral I – 6. ed., ampl. e atual. – Curitiba, PR: ICPC Cursos e Edições, 2014, p. 564.

[4] Estudo realizado pela Diretoria de Estudos e Pesquisas de Acesso à Justiça da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, que examinou 335 acórdãos sobre a Súmula n. 231 do STJ proferidos pelo TJRJ entre julho e dezembro de 2022 concluiu que a “análise das sentenças com mais de um réu permite observar o quanto a aplicação da Súmula 231 representa um obstáculo ao princípio da individualização da pena. Muitas vezes, pessoas em situações diferentes acabam com a mesma pena aplicada, diante do óbice da redução abaixo do mínimo legal” […] “a pena de réu primário, relativamente menor e confesso, restou idêntica à pena do corréu reincidente que não confessara, mas também tinha a seu favor a menoridade relativa”. DPRJ. A aplicação da Súmula 231 do STJ nos processos criminais no Rio de Janeiro. Disponível em: https://defensoria.rj.def.br/uploads/arquivos/7316f1595a6f4d258b6880abb56838a2.pdf.

[5] Mais uma vez o porquê de o STJ ter que superar a Súmula 231. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2023-set-24/franklynroger-stj-superar-sumula-231/.

[6] Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/SiteAssets/documentos/noticias/RESp%201869764%20-%20Voto%20min.%20Schietti.pdf.