Campo Grande, 07 de junho de 2024
O uso de uniforme de presídio por parte do réu durante júri popular ofende princípios como os da ampla defesa e da isonomia, porque que esse tipo de roupa produz um estigma que pode influenciar os jurados e o acusado, caso respondesse ao processo em liberdade, compareceria ao plenário com trajes civis.
Com essa fundamentação, a ministra Daniela Teixeira, do Superior Tribunal de Justiça, concedeu Habeas Corpus para anular julgamento no qual dois homens foram condenados em São Paulo.
“Em atenção aos princípios da ampla defesa e do contraditório, assim como à pacífica jurisprudência desta corte, o pleito formulado pela defesa há de ser atendido, permitindo-se a realização de nova sessão de julgamento na qual o réu tenha oportunizada a utilização dos trajes civis”, decidiu a julgadora.
O pedido de Habeas Corpus foi impetrado pela defesa de um dos réus, cuja pena foi fixada em 19 anos de reclusão. O outro acusado é um sargento da Polícia Militar e foi condenado a 14 anos e três meses.
Citando outro acórdão de sua relatoria, a ministra destacou que deve ser conferido aos julgadores leigos um olhar de imparcialidade e serenidade para com o réu, “através da abolição de qualquer símbolo de culpa, tal como a vestimenta carcerária, que constrói, por óbvio, um estigma sociocultural de culpado em torno do custodiado, influenciando de forma indevida o ânimo dos jurados”.
Daniela Teixeira justificou que permitir o uso de roupas civis visa a resguardar a dignidade da pessoa humana e garantir a isonomia. “O pronunciado solto é levado ao julgamento do conselho de sentença sem trajar a ‘farda’ do sistema carcerário”. A julgadora do STF acrescentou que a questão do traje não traz qualquer insegurança ou perigo, tendo em vista a existência de policiamento ostensivo nos fóruns.
Antes do júri, que foi realizado no Fórum Criminal da Barra Funda, na Capital, os advogados Anderson dos Santos Domingues, Bruno Cavalcante e Eugênio Malavasi peticionaram nos autos para que o cliente pudesse vestir trajes civis. Porém, o presidente da sessão indeferiu o requerimento, sob a justificativa de que o uniforme auxiliaria na identificação do detento em caso de eventual fuga.
Após o júri popular, os advogados impetraram habeas corpus perante o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). Eles pleitearam a anulação do julgamento sob a alegação de prejuízo à defesa em decorrência da utilização do uniforme do presídio. Porém, a 4ª Câmara de Direito Criminal negou o pedido por não vislumbrar a existência de “patente constrangimento ilegal” que autorize a sua concessão.
“O mero uso do uniforme do estabelecimento prisional não é suficiente para influenciar no ânimo dos jurados a ponto de gerar um juízo prévio de condenação, sendo esta, aliás, regra da Secretaria de Administração Penitenciária, de observância por todos os presos. (…) Além disso, a defesa não trouxe qualquer indicativo concreto de que o uso das vestes carcerárias interferiu na formação da convicção dos jurados”, diz o acórdão do TJ-SP.
Ao declarar a nulidade da sessão de julgamento e determinar a realização de outra, na qual se permita ao réu vestir roupas civis, a ministra ressalvou que o habeas corpus não pode ser manejado em substituição a recurso próprio ou a revisão criminal, conforme entendimento do STJ e do Supremo Tribunal Federal (STF). No entanto, o caso em análise, no qual se verifica “flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal”, é situação excepcional que autoriza conhecê-lo e concedê-lo de ofício.
O homicídio qualificado atribuído ao paciente, que seria agiota, e ao corréu, sargento da PM, ocorreu em junho de 2023, no Jaçanã, Zona Norte de São Paulo. Segundo o Ministério Público, os acusados desembarcaram encapuzados de um carro e executaram com 15 tiros um homem, que estava em outro veículo estacionado. Conforme a denúncia, a vítima também seria praticante de agiotagem e o crime foi motivado por disputa de clientela. O policial militar atuaria como “cobrador” do outro denunciado.
HC 917.436