Campo Grande, 31 de maio de 2024
Ministro entendeu que norma não pode retroagir contra homem condenado por crime cometido antes da “lei das saidinhas”
Leis mais gravosas não podem ser aplicadas retroativamente, salvo em benefício do acusado. Além disso, a legislação sobre execução penal atende aos direitos fundamentais do sentenciado, estando a individualização da pena entre os seus direitos fundamentais.
O entendimento é do ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal, que restabeleceu o benefício de saída temporária, popularmente conhecido como “saidinha”, dado a um homem condenado por roubo.
Segundo a decisão, o autor do pedido foi condenado por crime cometido em 2020 e teve a saída temporária autorizada em outubro de 2023. Também foi permitido o desempenho de trabalho externo.
No entanto, após a aprovação da Lei 14.843/2024, que recebeu o apelido de “lei das saidinhas”, os benefícios foram recusados, sobre o argumento que a nova norma, em vigência desde abril deste ano, barra a saída de condenados pela prática de crimes com o emprego de violência ou grave ameaça.
Segundo o ministro, no entanto, o acusado foi condenado por crime cometido em 2020, quando estava em vigência a Lei 13.964, de 2019, que só vedava saidinhas para pessoas condenadas por crime hediondo, com resultado morte. A previsão foi mantida na nova lei, mas foram adicionados também os crimes com violência ou grave ameaça.
Não pode retroagir
Segundo Mendonça, a norma de 2024 não poderia retroagir contra o condenado, apenas em benefício dele, segundo o princípio da irretroatividade da lei penal mais gravosa.
“O Direito Penal orienta-se pelos princípios fundamentais da legalidade e da anterioridade, segundo os quais não há crime nem pena sem prévia cominação legal, ou seja, em regra a norma penal deve ser anterior, não retroagindo a fatos pretéritos, salvo se benéfica ao acusado”, disse o ministro na decisão.
“Quanto à individualização executória, o instituto da saída temporária, com a redação promovida pela Lei 13.965, de 2019, era obstada apenas àqueles condenados por crime hediondo com resultado morte”, prossegue Mendonça.
Assim, concluiu o ministro, tendo em vista o princípio da individualização da pena, que também se estende à fase executória, só pode ser aplicada ao caso a norma vigente na época em que foi praticado o crime.
“Assim, entendo pela impossibilidade de retroação da Lei nº 14.836, de 2024, no que toca à limitação aos institutos da saída temporária e trabalho externo. Impõe-se, nesse caso, a manutenção dos benefícios usufruídos pelo paciente.”
Decisões retroagem lei
No começo de maio, há uma série de decisões retroagindo a lei das saidinhas para rejeitar progressões de regime. Nos casos listados, no entanto, a justificativa para barrar o benefício é a exigência, imposta na nova norma de 2024, ao exame criminológico.
A obrigação, que havia sido extinta em 2003 e agora está de volta, causa controvérsia. Criminalistas consideram que ele é inviável e tende a barrar a progressão, uma vez que o Estado não tem condições de promover os exames para todos os presos que têm direito ao benefício.
No Tribunal de Justiça de São Paulo há decisões conflitantes sobre o tema, com diferentes marcos temporais utilizados para manter ou derrubar a progressão de regime. Algumas consideram que a lei retroage para pedidos de progressão feitos depois da nova lei. Outras, que retroage mesmo quando até o pedido de progressão é posterior em relação à lei.
A 7ª Câmara de Direito Criminal do TJ-SP, por exemplo, aplicou a nova lei ao dar provimento a um recurso interposto pelo MP em março — antes, portanto, da vigência da norma, que é de 11 de abril. O MP pediu a anulação de uma progressão de regime sem exame criminológico concedida em primeira instância.
No acórdão, a fundamentação é toda baseada na lei deste ano. “Com o advento da Lei nº 14.843/24, a realização de exame criminológico que antes era facultativa e demandava justificativa no caso concreto passou a ser obrigatória”, sustentou o desembargador Mens de Mello, relator do caso.
“Em se tratando de norma processual, vige o princípio tempus regit actum, ou seja, aplica-se de imediato aos feitos em andamento”, prosseguiu o desembargador ao votar pela derrubada da progressão de regime solicitada pelo preso.
STJ
A discussão chegou ao Superior Tribunal de Justiça, onde também há entendimentos divergentes sobre o tema. Em 23 de abril, a ministra Daniela Teixeira concedeu, de ofício, ordem em Habeas Corpus para autorizar uma progressão de regime sem exame mesmo com a nova lei já em vigência.
“Apesar da recente Lei 14.843/24 ter incluído o §1º ao art. 112 da Lei de Execução Penal (…), ela só entrou em vigor em 11 de abril de 2024 e o pedido formulado pelo paciente foi em 17 de janeiro de 2024. Portanto, a nova lei, mais grave, não pode retroagir para prejudicá-lo”, escreveu a ministra.
O ministro Reynaldo Soares da Fonseca, por sua vez, entendeu de maneira diferente no julgamento de outro caso. “Não há como se desconsiderar a recente alteração legislativa promovida pela Lei 14.843/2024, que dentre as modificações promovidas na Lei de Execução Penal, passou a considerar obrigatória a realização do exame criminológico para aferir o direito do executado à progressão de regime”.
“A decisão de 1º grau aqui atacada data de 23/04/2024, quando já havia entrado em vigor a Lei n. 14.843/2024, e é plausível supor que, mesmo não tendo feito alusão expressa à nova norma legal, tenha sido esse o mote que levou o Juízo de Execução a reiterar a necessidade do exame, tanto mais quando se sabe que todas as leis são dotadas de presunção de constitucionalidade.”
HC 240.770
Fonte: Consultor Jurídico