Jakson Yamashita
Que os presídios brasileiros são considerados pela população como um mal necessário, não há dúvida. A questão é: como pode aquele que cometeu um crime (ainda sujeito de direitos) ter sua dignidade e representações sociais reduzidas a uma miséria ética, sem qualquer atenção dispensada pelo poder público quanto à sua humanidade? Sim, porque se de um lado tem-se o desejo punitivo do estado em castigar (caráter retributivo) o individuo infrator, de outro, necessária a compreensão de que tal pessoa ainda pertence à sociedade e para ela cria-se a expectativa de que volte a conviver com os seus pares (reinserção social) de forma cordial e respeitosa.
O que não aconteceu com Cleriston Pereira da Cunha, preso em Brasília, sob acusações que remetem a tentativa de golpe de Estado no, conhecido, dia 8 de janeiro do corrente ano, porquanto tenha falecido no presídio da Papuda após sofrer um “mal súbito” e deixar em luto sua esposa, filhas e amigos. Sua morte ocorreu enquanto estava na condição de réu (sequer condenado) no Supremo Tribunal Federal. Seu advogado, considerado sua única voz no Judiciário, confeccionou pedido de liberdade provisória no mês de agosto, alegando diversas comorbidades que sinalizavam sua vulnerabilidade física e mental frente ao sistema penitenciário.
Em 1º de setembro, a Procuradoria-Geral da República emitiu um parecer favorável à soltura de Cleriston, contudo, o ministro relator das ações decorrentes do atentado referido acima não analisou o pedido, vindo este a falecer com 46 anos na data de 20/11/2023. Após tal ocorrência, as manchetes de jornais e revistas buscaram declarar quem foi a pessoa de Cleriston Pereira da Cunha, de quem foi a culpa pela sua morte na unidade penal, se houve ou não negligência e descaso com sua saúde e até quais políticos lhe prestaram homenagens. Apenas neste cenário foi possível Cleriston ser visto como ser humano (antropológico) e dotado de direitos (políticos), o que nos remete à problemática existente no sistema carcerário e judiciário, que como cúmplices de um mesmo ato totalitário, anularam as possibilidades de atendimento às suas necessidades mais básicas enquanto preso.
A inadequada estrutura da unidade penal, consistente em superlotação nas celas, alimentação insalubre, banheiros que não proporcionam a mínima higiene, maus tratos praticados por agentes penais, faz desaparecer até mesmo a expectativa dos presos na obtenção à segurança, educação, trabalho e saúde. Promoção da cidadania? Capacitação profissional? Atenção à saúde física e mental? São temas que sequer constam das políticas publicas carcerárias, não organizadas pelo Estado que, visivelmente, não se interessa em refletir as causas da criminalidade. Sem instrução, assistência social e religiosa, atividades culturais e cuidados físicos, foi sobrevivendo Cleriston por 10 meses de custódia.
Com toda a desorganização de sua personalidade advinda do processo de prisionização, tornou-se o mesmo vítima da sensação de inferioridade, infantilização, desalento, tendo seu pedido de liberdade sido “esquecido” na mesa do judiciário, e sua vida reduzida a condição de objeto, como se o seu corpo não pertencesse mais a si. Inegavelmente, a descrição posta acima justifica o termo “mal súbito”, designado como o motivo da morte de Cleriston, em que pese teria sido mais honesta a declaração de que o mesmo faleceu de sofrimento, impedido de ser visto e ouvido nas suas necessidades mais básicas enquanto ser existente neste mundo.