Campo Grande, 23 de abril de 2024
Trabalhadores chegavam a ficar até 30 dias sem folga, segundo o MPT
Por constatar ofensa a direito previsto na Constituição, a 2ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho considerou inválida a norma coletiva que flexibilizava o descanso semanal de trabalhadores fluviários de uma empresa de navegação e comércio de Manaus, que terá de pagar R$ 300 mil por dano moral coletivo.
Na decisão, o TST estabeleceu que as folgas deverão ser concedidas ao fim de cada viagem, na proporção mínima de um dia de descanso para cada dia de trabalho embarcado.
O MPT ressaltou que a empresa é a maior do ramo de navegação do Amazonas e tem 146 embarcações, que atuam no transporte interestadual de cargas que chegam a Manaus, empregando mais de 1,3 mil empregados, dos quais quase 300 são fluviários. Mesmo assim, a companhia não tem equipes de folgas, o que inviabiliza a elaboração de uma escala de revezamento.
Em sua defesa, a companhia argumentou que cumpria a convenção coletiva de trabalho que previa folgas aos embarcados na proporção de 25 dias trabalhados para cinco de descanso.
Além disso, o acordo coletivo também estabelecia que, a cada 75 dias embarcados, os fluviários teriam direito a 15 dias de folga no porto da cidade de contratação. Por fim, a empresa alegou que não há previsão legal de dois dias de folga para cada dia de trabalho, e a mão de obra é escassa.
Peculiaridades
O juízo de primeiro grau deferiu todos os pedidos do MPT, mas o Tribunal Regional do Trabalho da 11ª Região (AM e RR) reformou a sentença, inclusive retirando a condenação por dano moral coletivo. Para o TRT, as normas coletivas eram válidas e, diante da peculiaridade da atividade econômica da empregadora, compatibilizavam direitos sociais com a livre iniciativa.
No entanto, o TRT ressalvou que a empresa não organizava equipes de revezamento, nem observava as escalas de trabalho e as folgas previstas nas normas coletivas. A escassez de mão de obra, segundo a decisão, não era justificativa para o descumprimento das normas, pois o risco do negócio é do empregador e não havia prova de que a empresa esgotou as possibilidades de recrutamento de trabalhadores no mercado de trabalho.
O tribunal manteve, então, a obrigação de organizar equipes de revezamento para as folgas das equipes que fizeram viagens, sob pena de multa por descumprimento.
No recurso de revista ao TST, o MPT questionou a conclusão do TRT de que as especificidades do trabalho justificariam a flexibilização e sustentou ser inadmissível que o fluviário trabalhe por 75 dias antes que tenha direito a folga, mesmo que as viagens durem em média de 11 a 15 dias.
Direito constitucional
De acordo com a ministra Maria Helena Mallmann, relatora do recurso, o caso não se enquadra no entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre a validade das normas coletivas (Tema 1.046 de repercussão geral) porque trata da flexibilização de direito previsto expressamente na Constituição Federal (artigo 7º, inciso XV) e, portanto, não pode ser negociado.
A ministra explicou que os trabalhadores marítimos têm regime especial de duração do trabalho, conforme os artigos 248 a 252 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), e a proporção mínima para folgas é de um dia de trabalho para um dia de descanso — parâmetro que não foi observado nas normas coletivas.
O colegiado também restabeleceu a condenação por dano moral coletivo, acolhendo o argumento do MPT de que a jornada exaustiva era um risco para toda a coletividade que utiliza o transporte fluviário. Além disso, a relatora destacou que o descumprimento de normas de saúde e segurança dos trabalhadores é uma conduta antijurídica passível de reparação. A decisão foi unânime.
RR 1811-43.2014.5.11.0011
Fonte e Foto: TST