Campo Grande/MS, 23 de maio de 2025.
Fonte: Conjur
A criação de varas especializadas em saúde suplementar deve melhorar a qualidade das decisões sobre o tema e gerar precedentes mais apurados tecnicamente e coerentes, segundo especialistas ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico.
Essa especialização é relevante em um setor que enfrenta grande judicialização, muitas vezes causada pela falta de clareza na regulação ou pelo descumprimento de contratos por parte das operadoras, dizem advogados que atuam na área.
A primeira Vara de Saúde Suplementar do país foi inaugurada no dia 30 de abril em São Luís, no Maranhão. A criação da jurisdição cumpre recomendações instituídas pela Resolução 530/2023 do Conselho Nacional de Justiça, que incentiva a criação de varas especializadas em matéria de saúde suplementar.
Entre fevereiro e maio de 2025, a vara já recebeu 325 processos, redistribuídos de outras jurisdições cíveis. A saúde suplementar é um dos temas que mais gera litígios no Brasil. Dados do painel Justiça em Números do CNJ indicam, até 30 de abril deste ano, havia 377.336 processos contra planos de saúde pendentes no Judiciário.
Decisões mais precisas
Uma estrutura especializada permite que magistrados, assessores e servidores desenvolvam expertise técnica mais apurada na área, o que leva a decisões mais rápidas, precisas e alinhadas com as particularidades do setor, dizem os advogados entrevistados.
“Como sabemos, o setor é altamente regulado, complexo e envolve questões sensíveis tanto do ponto de vista jurídico quanto da saúde dos beneficiários. A especialização tende a aprimorar a segurança jurídica, reduzir a dispersão de entendimentos e conferir maior previsibilidade às decisões”, afirma o advogado Tertius Rebelo.
Para Henderson Fürst, advogado e diretor da Sociedade Brasileira de Bioética, evita-se uma loteria judicial com a maior uniformidade das decisões. “Isso possibilitará apreciar com maior celeridade questões que, usualmente, são urgentes”, diz.
Stefano Ribeiro Ferri, especialista em Direito da Saúde e membro da 6ª Turma do Tribunal de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo, vai além: para ele, a jurisprudência mais previsível pode influenciar o comportamento das operadoras — seja para evitar litígios desnecessários, seja para ajustar práticas administrativas. Além disso, ele afirma que a padronização tende a tornar as decisões mais rápidas e menos sujeitas a recursos.
Problema estrutural
O advogado Sílvio Guidi, por outro lado, não vê uma grande necessidade de aprimoramento técnico nos magistrados. “Essas ações viraram uma realidade presente para esses juízes todos. Eu diria que, no final das contas, a gente não tem grandes desafios intelectuais, interpretativos. O que a gente tem, na minha percepção, é um desafio estrutural”, salienta.
Para o especialista, o Judiciário enxerga as operadoras de saúde com as mesmas restrições que a sociedade, especialmente no atual momento de crescimento dos cancelamentos unilaterais de contratos e descumprimento dos acordos. Na opinião do advogado, antes de criar mais varas especializadas, essa relação precisaria ser pacificada na esfera administrativa.
“A realidade é que o Judiciário enxerga a saúde suplementar como um grupo de instituições que cobram muito caro e não entregam o serviço que operam. Eu particularmente não concordo com essa posição, mas ela é prevalente”, aduz.
Guidi também não acredita que ter juízes focados somente em saúde resulte em resoluções mais céleres. Segundo ele, isso vai depender de como os casos serão distribuídos. “Nessa história toda, pode ser que a celeridade seja eventualmente comprometida. Não acredito que vá haver um grande ganho de eficiência”, completa o advogado.
Poder concentrado
Os juízes cíveis têm que entender de cheques, bancos, planos de saúde e contratos de locação. É uma tarefa difícil decidir sobre tantos assuntos e, em um primeiro momento, a vara especializada permite desafogar os julgadores, diz o advogado Elton Fernandes, especializado em litígios envolvendo planos de saúde.
Entretanto, diz Fernandes, a concentração dos casos nas mãos de poucos juízes traz o risco de que pensamentos divergentes não sejam mais aceitos.
“O problema é que a jurisprudência fica segmentada na mão de poucos magistrados e, claro, há conceitos prévios que eles acabam tendo sobre a matéria. Há o risco de não oxigenar nunca as decisões”, salienta o advogado Elton Fernandes.
É necessário amadurecer a ideia antes de expandir o projeto, diz o advogado. O ideal, em sua visão, seria capacitar os juízes e servidores das varas já existentes. “Quando há muitos refletindo, é possível compreender o Direito e evoluir”, diz.
O advogado Tertius Rebelo, que enxerga um balanço positivo na criação da vara especializada, também se mostra receoso com um possível engessamento da jurisprudência. “Isso pode, eventualmente, beneficiar mais uma parte — seja o consumidor, seja a operadora. Embora extremamente bem-vinda, a especialização precisa ser acompanhada de mecanismos de constante atualização”, diz.