Por Conjur
Campo Grande, 29 de julho de 2024
Um ano após sua publicação, a Lei da Igualdade Salarial vem sendo contestada por empresas na Justiça. A principal regra questionada é a da publicação dos relatórios de transparência salarial e de critérios remuneratórios. Algumas liminares já foram concedidas para afastar tal exigência por violações à liberdade empresarial e à Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), embora especialistas no assunto entrevistados pela revista eletrônica Consultor Jurídico não concordem com essa interpretação.
A lei contestada, de julho do último ano, trata da igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre homens e mulheres. Ela estabeleceu obrigações para empresas com cem ou mais empregados. A norma foi regulamentada pelo Decreto 11.795/2023. Este, por sua vez, foi regulamentado pela Portaria 3.714/2023 do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).
Ambos trouxeram regras sobre o relatório de transparência salarial e de critérios remuneratórios, que busca comparar de forma objetiva os salários, as remunerações e a proporção de ocupação de cargos. O relatório é elaborado pelo MTE com base em dados do sistema de prestação de informações trabalhistas ao governo federal.
A regulamentação da Lei da Igualdade Salarial estipulou, por exemplo, que o relatório precisa ser publicado nos sites ou nas redes sociais das empresas. Também é preciso apresentar um plano de ação para corrigir eventuais discrepâncias salariais.
O decreto e a portaria ainda citam diversas informações que devem constar do relatório, o que inclui os cargos ou as ocupações, com as respectivas atribuições, e os valores das remunerações.
Já existem decisões liminares que suspendem a divulgação do relatório, mas há também decisões que negam pedidos do tipo e determinam a aplicação da regra.
As empresas defendem que o relatório contém dados pessoais sensíveis dos empregados e seus salários. Outro argumento é que sua imagem poderia ser abalada com a divulgação de tais informações. Há ainda alegações de que as regras de elaboração do documento não são tão claras e de que a regulamentação extrapolou as previsões da lei.
Por outro lado, a Advocacia-Geral da União argumenta que os dados são anonimizados e que não há danos à imagem ou violação da liberdade porque o relatório traz estimativas, e não dados individualizados.
Polêmica judicializada
Em março deste ano, a 7ª Vara Cível Federal de São Paulo proibiu a União de fazer a uma empresa diversas exigências previstas na Lei da Igualdade Salarial, entre elas a divulgação e publicação do relatório de remuneração e critérios remuneratórios em site ou redes sociais.
A juíza Paula Lange Canhos Vieira citou receio de desrespeito à LGPD caso todas as informações fossem fornecidas: “Em empresas com estruturas gerenciais reduzidas, será perfeitamente possível identificar a remuneração de seus funcionários, o que contrasta com a determinação de fornecimento de ‘dados anonimizados’ determinada pela lei”, concluiu a julgadora.
Naquele mesmo mês, a juíza plantonista Pollyanna Kelly Maciel Martins Alves concedeu, no mesmo dia, duas liminares semelhantes em Varas Federais Cíveis do Distrito Federal: uma (na 14ª Vara) para 11 empresas de um mesmo grupo econômico e outra (na 8ª Vara) para as sociedades de advogados representadas pelo respectivo sindicato nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro (Sinsa).
A juíza suspendeu a divulgação dos relatórios, pois entendeu que a Lei da Igualdade Salarial criou obrigações que invadem a “liberdade da atividade econômica e negocial das empresas”.
Segundo ela, as diferenças salariais por motivos de gênero podem ser evitadas por meio da “regular fiscalização dos órgãos competentes” e sem a “publicização das informações da empresa”.
A lei já foi contestada no Supremo Tribunal Federal em duas ações diretas de inconstitucionalidade. Em uma delas, as autoras — a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e a Confederação Nacional do Comércio, Bens, Serviços e Turismo (CNC) — afirmam que a divulgação do relatório causa dano injusto à reputação das empresas e que a elaboração de plano de carreira corporativo vai muito além da questão de gênero.
Já na outra ADI, o Partido Novo diz que a divulgação do relatório é inconstitucional, pois expõe informações sensíveis sobre estratégia de preços e custos das empresas, o que viola o princípio da livre iniciativa.
A advogada Gisela da Silva Freire, presidente do Sinsa e sócia do escritório Peixoto & Cury Advogados, diz que a publicação das informações salariais pode, de fato, “expor as políticas de remuneração da empresa a concorrentes, em especial em alguns setores mais competitivos, em que as políticas salariais são um diferencial importante”. Segundo ela, isso pode causar uma “desvantagem competitiva”.
Para a advogada, a exigência de divulgação é “questionável do ponto de vista legal” e “desproporcional”, pois “vai além do necessário para o atingimento dos objetivos da lei e pode causar grandes prejuízos à imagem da empresa”.
Gisela explica que a empresa exposta pode sofrer “críticas e julgamentos precipitados, especialmente nas plataformas onde a opinião pública é formada de maneira imediata, sem o conhecimento profundo da situação”.
Ana Paula Oriola de Raeffray, sócia do Raeffray Brugioni Advogados e doutora em Direito pela PUC-SP, afirma que a lei é “muito importante para reduzir as desigualdades salariais em razão do gênero”, mas aponta que “sua regulamentação tem lacunas”.