Campo Grande/MS, 12 de maio de 2025.
Fonte: Conjur
O direito à privacidade das comunicações em grupos de WhatsApp não pode ter um alcance absoluto e, na hipótese de interesse público em informação relacionada a crime, como é o caso do racismo, deve ser completamente afastado.
A 8ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo adotou essa fundamentação ao negar, por unanimidade, provimento ao recurso de apelação interposto por um empresário contra sentença da 9ª Vara Cível de Santos.
“A proteção constitucional da privacidade e do sigilo das comunicações não pode servir de escudo para acobertar práticas ilícitas, sobretudo aquelas de natureza discriminatória e tipificadas como crime pela legislação brasileira”, anotou o desembargador Pedro de Alcântara da Silva Leme Filho, relator da apelação.
Além disso, de acordo com o julgador, ao compartilhar declarações em um ambiente coletivo, ainda que restrito, o emissor assume o risco de que seu conteúdo possa circular além das fronteiras inicialmente pretendidas.
“Não se trata, evidentemente, de negar por completo a proteção à privacidade nessas circunstâncias, mas de reconhecer sua atenuação diante do caráter potencialmente difusível das comunicações digitais”, justificou Leme.
Áudio viralizou
O apelante pleiteou indenização por dano moral pelo vazamento de um áudio seu compartilhado em um grupo do aplicativo de mensagens composto por apenas cinco membros de sua confiança, conforme destacou no processo. A ação foi movida contra um blogueiro que não participa do grupo de WhatsApp, e que divulgou o áudio.
Em abril de 2019, o blogueiro divulgou o áudio em um programa que mantém em uma página no Facebook. O empresário afirmou que todos os “pardos brasileiros” são “mau caráter”.
O assunto foi compartilhado milhares de vezes nas redes sociais e ganhou repercussão nacional na mídia. À época, o autor era conselheiro do Santos Futebol Clube e secretário-adjunto de turismo do município de Santos.
A juíza Júlia Inêz Costa Galceran não vislumbrou o dano moral alegado e julgou a ação improcedente.
“Os dados (áudio) veiculados dizem respeito a ofensas racistas proferidas por secretário municipal e conselheiro de clube de futebol, cuja divulgação se reveste de manifesto interesse público”. A magistrada acrescentou ser de “interesse da sociedade debater o tema racismo e punir aqueles que cometem crimes de preconceito em razão de raça e cor”.
Para ela, o blogueiro agiu amparado pela garantia constitucional de liberdade de expressão e informação.
Respondeu pelo que falou
O empresário sustentou, no recurso, que a divulgação não consentida de seu áudio acarretou danos à sua reputação, afastamento do cargo de conselheiro do Santos e perda da posição de secretário-adjunto, além de ataques, ofensas e ameaças de torcedores.
Já o blogueiro argumentou que recebeu o material “de lícita fonte sigilosa” e agiu legitimamente, sob a égide da liberdade de expressão e informação, ao divulgar conteúdo de interesse público sobre racismo.
Também informou que o apelante foi processado pelo crime, sendo condenado com decisão definitiva. Na esfera criminal, o empresário foi condenado a um ano de reclusão, em regime aberto, pelo delito de racismo.
Conforme o relator, não foram divulgadas meras opiniões controversas ou expressões de caráter íntimo, mas “manifestações reconhecidas judicialmente como criminosas”, que violam os princípios constitucionais da dignidade humana e da igualdade.
Segundo o desembargador Leme Filho, a sociedade tem o direito de conhecer as manifestações racistas de quem ocupa cargo público ou função de relevância social, pois isso é necessário para a formação da opinião pública sobre a idoneidade moral dos ocupantes destas posições.
Sobre como o blogueiro obteve o áudio, o julgador frisou que não há elementos do eventual uso de método ilícito, como invasão de dispositivo ou interceptação não autorizada de comunicações. Desse modo, há de ser aplicada a proteção constitucional conferida à fonte jornalística, ainda que exercida por comunicador não profissional.
Os desembargadores Silvério da Silva e Theodureto Camargo seguiram o voto do relator. Conforme o colegiado, os danos alegados pelo apelante decorrem do conteúdo de suas próprias declarações, e não da mera divulgação delas.
Processo 1000628-66.2022.8.26.0562