Decisão reafirma necessidade de indícios mínimos de autoria judicializados e submetidos ao contraditório.
Campo Grande/MS, 9 de abril de 2025.
Por redação.
A 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Mato Grosso confirmou a decisão que despronunciou um homem acusado de ser o mandante de um homicídio. De acordo com a denúncia, o réu — apontado como traficante — teria encomendado a morte da vítima após uma desavença envolvendo armas de fogo. A vítima teria se comprometido a guardar os armamentos em casa, mas, com o furto das armas, o conflito teria se agravado.
No entanto, a decisão judicial considerou que os elementos probatórios não eram suficientes para justificar a pronúncia — ato processual que submete o réu a julgamento pelo Tribunal do Júri.
O relator, desembargador Wesley Sanchez Lacerda, apontou que “a suposta autoria delitiva poderia recair sobre depoimento em juízo de uma única testemunha que não viu o fato criminoso acontecer, somente ficou sabendo por terceiros”. Para o magistrado, trata-se de uma “testemunha de ouvir dizer”, o que, segundo ele, “não se mostra suficiente para a pronúncia”.
Criminalistas destacam que o entendimento do TJ-MT segue uma linha já reconhecida no meio jurídico. A advogada Renata Sawaris explica que esse tipo de depoimento é conhecido na doutrina estrangeira como “hearsay testimony”, e afirma que “deve ser tratado com cautela, tanto lá quanto cá”. Ela ainda ressalta que esse cuidado não é novo no Brasil: “Esse entendimento é também do próprio TJ/MS”, diz, citando precedente do tribunal sul-mato-grossense.
Segundo Sawaris, “embora não seja vedado no nosso ordenamento jurídico, deve ser analisado com ressalvas”, como se vê no Recurso em Sentido Estrito nº 0007540-17.2013.8.12.0008, julgado em 29 de novembro de 2024, sob relatoria do desembargador Ruy Celso Barbosa Florence.
Além disso, o advogado Ricardo de Souza Pereira relembra que “já existia precedente do STJ, HC 854.187, de relatoria da Ministra Daniela Teixeira”, reforçando que o Superior Tribunal de Justiça já firmava esse mesmo entendimento. Ele ressalta que “o testemunho baseado em ‘ouvi dizer’ não é suficiente para fundamentar a decisão de pronúncia”, e que essa exigência tem implicações constitucionais importantes.
“Que determina se uma pessoa acusada de cometer um crime contra a vida deve ser julgada pelo Tribunal do Júri”, acrescenta. Para o advogado e professor, essa jurisprudência “consubstancia o preceito constitucional da presunção de inocência”. E conclui: “sendo, portanto, uma interpretação lógica, justa e coerente”.