STJ autoriza Justiça do DF a declinar competência por excesso de execuções sobre crédito rural

Campo Grande/MS, 10 de março de 2025.

A Justiça do Distrito Federal pode declinar da própria competência para decidir sobre execuções individuais da sentença coletiva que obrigou o Banco do Brasil a indenizar todos os produtores rurais que contrataram operações de crédito rural antes do Plano Collor.

A posição é da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça. O colegiado negou provimento a três recursos especiais que contestavam o envio dessas ações de Brasília para as cidades em que os produtores rurais assinaram contrato em agências do BB.

As execuções individuais em questão foram direcionadas do DF para as comarcas de Vilhena (RO), Porto Nacional (GO) e São Gabriel do Oeste (MS).

Esse declínio de competência tem sido adotado em Brasília porque a grande maioria das execuções individuais contra o Banco do Brasil tem sido ajuizada na capital federal, gerando um grande impacto no Judiciário local.

O precedente é importante porque contorna uma das previsões do Código de Processo Civil. O artigo 53, inciso III, letra “a”, prevê como competente o foro do lugar onde está a sede da pessoa jurídica ré — no caso do Banco do Brasil, trata-se da capital federal.

No caso específico dos produtores rurais prejudicados pelo Plano Collor, a conclusão é de que deve prevalecer a regra da letra “b” do inciso III, que trata da competência do foro da agência, quanto às obrigações que a pessoa jurídica contraiu.

Lugar melhor não há

A sentença coletiva em questão foi proferida pela 3ª Vara Federal do Distrito Federal, que condenou o Banco do Brasil, a União e o Banco Central a reduzirem os percentuais de índice de remuneração aplicados nos contratos de financiamento rural feitos antes de abril de 1990, com devolução de valores aos mutuários.

Posteriormente, o STJ decidiu que as execuções individuais dessa sentença não atraem o litisconsórcio necessário. Ou seja, elas podem ser ajuizadas contra apenas um dos devedores ou contra todos de uma só vez. E decidiu ainda que, nos casos em que a execução for ajuizada apenas contra o Banco do Brasil, a Justiça estadual comum é competente para o julgamento do feito.

Essas decisões formaram o cenário em que a Justiça do DF se tornou o foro ideal para as execuções: tem um dos menores valores de custas judiciais do Brasil, além de ter o selo de excelência do Conselho Nacional de Justiça.

Um estudo do Centro de Inteligência do TJ-DF concluiu que, das execuções iniciadas apenas contra o Banco do Brasil, 98% foram ajuizadas em Brasília, o que prejudicou a estrutura judiciária, com aumento desproporcional da demanda. Foram 11,5 mil novos processos depois da decisão.

A nota técnica (clique aqui para ler) afirma que a escolha do foro com base exclusivamente na sede do réu, sem qualquer relação da demanda com o local em que ele se encontra, prejudica ainda a produção de provas.

No foro da agência

Com base nesse cenário, a relatora dos processos, ministra Nancy Andrighi, propôs que prevaleça o foro do local da agência em que se firmou o contrato de crédito rural.

Para ela, essa posição se justifica não apenas por sua legalidade e pela conveniência de se concentrar a demanda na jurisdição mais próxima das partes envolvidas, mas também como uma medida eficaz para desafogar a Justiça do DF.

“Tendo o beneficiário escolhido promover a liquidação de sentença coletiva no foro de domicílio do executado, deve-se demandar a pessoa jurídica no local da agência ou sucursal quando a questão envolver negócio jurídico que lá tenha sido firmado”, destacou.

A votação foi unânime na 3ª Turma. Acompanharam a relatora os ministros Humberto Martins, Ricardo Villas Bôas Cueva e Moura Ribeiro, além do desembargador convocado Carlos Cini Marchionatti.

É abusivo ou não?

O debate na 3ª Turma gerou uma ligeira divergência sobre a justificativa para o declínio de competência pelos juízes do DF.

Essa recusa poderia ser justificada pelo artigo 63, parágrafo 5º do CPC, que fixa como abusivo o ajuizamento de ação em foro aleatório, sem vinculação com o domicílio ou a residência das partes ou com o negócio jurídico discutido na demanda.

O voto da ministra Nancy Andrighi concluiu que não há abuso em ajuizar no DF a execução individual da sentença coletiva contra o Banco do Brasil. Não se trata de foro aleatório, já que a sede da instituição fica em Brasília.

Já o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva apontou que, a partir do precedente, será possível concluir que a escolha do foro da sede da pessoa jurídica, e não o da agência ou sucursal, configura abuso capaz de autorizar a declinação da competência territorial.

Para ele, é adequada a declinação de competência de ofício quando o ajuizamento de demandas prejudicar a organização judiciária, a efetividade e a economia processual.

“A disponibilidade das partes sobre as regras de competência relativa deve ser mitigada quando, a partir das circunstâncias do caso concreto, for verificado prejuízo para o interesse público”, disse.

Clique aqui para ler o acórdão
REsp 2.106.701
REsp 2.158.972
REsp 2.161.475

 

Fonte: Conjur