Sobre a Importunação Sexual em Fortaleza e o Direito Penal

Campo Grande, 21 de março de 2024

Por: Fábio Trad Filho

Advogado Fábio Trad Filho

O Direito Penal a disciplina jurídica que tem como função a garantia dos direitos individuais. Garantia de direitos para os que cometem os crimes mas também daqueles que sofrem com os crimes, as vítimas.

No caso de Fortaleza, vários são os ângulos de análise. Penalmente, realizando um juízo de tipificação, o caso se enquadra em importunação sexual.

A importunação sexual, conforme o art. 215-A do Código Penal brasileiro, refere-se à prática, sem a anuência, de ato libidinoso, com o fim de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro. A pena para este crime é de 1 a 5 anos de reclusão

Como o ato foi gravado pelas câmeras do elevador, as provas estão postas e a instrução processual prosseguirá sem maiores problemáticas, espera-se.

Ressalta-se que o agente possuía plena noção do caráter ilícito de seus atos, tanto que após a realização do mesmo, empreende fuga em um luxuoso veículo.

Do ponto de vista sociológico a situação possui profundas raízes, profundas cicatrizes históricas no machismo. As mulheres conquistaram direito ao voto no Brasil apenas em 1932, enquanto os homens puderam votar desde as primeiras vilas brasileiras, ainda em São Vicente, em 1532[1].

O ano de 2023 bateu recorde de feminicídio no Brasil com 1463 registros[2] e, conforme os dados do IBGE, as mulheres recebem salários 22% menor em comparação com homens. A diferença salarial aumenta quanto mais alto for o cargo ocupado — mulheres em posição de liderança chegam a receber cerca de 34% menos em relação aos profissionais do gênero masculino que ocupam o mesmo cargo.

De acordo com pesquisa realizada pela ONU, 84.5% dos brasileiros e brasileiras tem algum tipo de preconceito contra as mulheres: “Nessa segunda-feira, 12, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) divulgou levantamento sobre sexismo que traz dados alarmantes. Conforme a pesquisa, 84,5% dos brasileiros e brasileiras têm algum tipo de preconceito contra as mulheres. O estudo aponta que visões distorcidas e prejudiciais às mulheres têm consequências “potencialmente prejudiciais”, inclusive servindo como legitimação para atos de violência física e psicológica.

A pesquisa foi feita em 80 países e abrange mais de 85% da população mundial. Segundo o levantamento, quase 90% da população mundial, sem importar de qual sexo, tem algum tipo de preconceito contra as mulheres. Os índices do Brasil ficaram próximos aos de países como a Guatemala, Bielorússia, Romênia, Eslováquia, Trinidad, Tobago, México e Chile. Foram analisadas quatro dimensões sobre preconceito de gênero, em que meninas e mulheres enfrentam desvantagens e discriminação: Integridade física; Educacional; Política; e Econômica.

O estudo mostra que, no Brasil, 84,5% das pessoas têm pelo menos um tipo de preconceito contra as mulheres. Os piores indicadores no país são em relação à integridade física. São avaliados a violência íntima e o direito à decisão de querer ou não ter filhos. 75,56% dos homens têm esse preconceito no Brasil, e 75,79% das mulheres também têm”.

Do ponto de vista psicológico do sujeito, reflito e chego a humilde constatação (por não ser psicólogo – apesar de muito admirar a psicologia), de que se trata de um ser que, em realidade, odeia as mulheres. Longe de desejá-las.

Quem deseja algo não age da maneira como agiu este sujeito. O que ele poderia ganhar com aquele ato a não ser tornar-se objeto de nojo, asco, desprezo e abominação por parte da mulher que dividia o espaço público com ele?

Logo, penso que, ao vestir aquela camisa verde e amarela, usurpava-se de algumas pautas da direita como “família, moral, bons costumes”, para na realidade camuflar o profundo mau-caratismo e o poço sem fim de hediondez de sua alma.

O que espanta, em demasia, é vez ou outra ouvir discursos simplesmente negando o machismo estrutural que existe em nosso país e que legitima atos como este.

Dias destes foi-me dito: discutir com louco não vale a pena. Verdade, não vale. Mas o desafio que se coloca é: O que fazer quanto a índices como os extraídos pela pesquisa da ONU?

Este fato de Fortaleza foi gravado, mas, neste momento, enquanto se lê este texto, inúmeras outras importunações, assédios, estupros e violências contra as mulheres estão ocorrendo neste país, atroz contra a dignidade de suas existências. Até quando?

 

[1] https://www.camara.leg.br/noticias/122465-conheca-a-historia-do-voto-no-brasil/

[2] https://sites.uel.br/lesfem/brasil-registra-1-153-feminicidios-ate-julho-de-2023/

 

Fábio Trad Filho – Mestre em Direito UFMS, Pós em Ciências Criminais PUC MG e Direito Penal e Processo Penal, Associação Brasileira de Direito Constitucional – RS – ABDCONST. Advogado Criminalista.