Sem possibilidade de nova perícia, STJ absolve acusado de tráfico

A 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça aplicou a teoria da perda de uma chance ao conceder Habeas Corpus para absolver um homem que havia sido condenado a cinco anos e dez meses de reclusão, em regime inicial fechado, pelo tráfico de 60 quilos de cocaína. A decisão do colegiado foi motivada pela incineração da suposta droga, depois de perícias com resultados divergentes e sem a participação da defesa.

“A garantia fundamental do contraditório, que deve ser aplicada à produção de todas as provas, em relação à prova pericial seria assegurada na possibilidade de as partes requererem sua produção ou mesmo apresentar quesitos para a sua realização”, anotou o ministro Rogerio Schietti Cruz, relator do Habeas Corpus, mencionando o que dispõe o artigo 159, parágrafo 3º, do Código de Processo Penal.

Segundo o julgador, o CPP ainda contempla às partes a possibilidade de acompanhar o ato, manifestar-se sobre a prova e requerer nova perícia, complementação ou esclarecimento. Porém, nenhuma dessas opções foi oferecida ao réu, ficando prejudicada a produção de outro laudo toxicológico, porque, a pedido do delegado responsável pelo inquérito, o juízo de primeir0 grau autorizou incinerar a suposta droga.

Os advogados Marcelo Cruz e Yuri Cruz impetraram o Habeas Corpus alegando “ausência da comprovação da materialidade” do delito. Eles basearam o pedido no fato de haver divergência entre o laudo provisório e o definitivo da substância apreendida. “A melhor solução para o conflito seria elaborar um terceiro laudo, por um novo perito criminal, o que não poderá mais ocorrer devido à destruição do material”, frisou Marcelo.

“Diante do cenário de dúvida, conforme já mencionado, a autoridade policial — sem a participação de defesa ou acusação, durante a tramitação da ação penal (findo, portanto, o inquérito), quando já iniciada a instrução criminal — determinou, por conta própria, por meio de uma simples ligação — como foi esclarecido pelo perito em audiência de instrução — a realização do laudo complementar”, observou Schietti.

Positivo e negativo

A controvérsia quanto à perícia surgiu após o laudo provisório de constatação dar resultado positivo para cocaína e o definitivo não acusar a presença da droga na amostra analisada. Diante disso, o próprio perito fez exame complementar “com a utilização da técnica de cromatografia gasosa”, cujo resultado confirmou a ausência da substância ilícita no material apreendido.

Diante da dúvida instalada, o juízo da 30ª Vara Criminal do Fórum da Barra Funda, em São Paulo, determinou nova perícia, feita por expert que não ainda atuou no processo. Ele também deferiu pedido da defesa para que ela acompanhasse a nova análise, em data a ser agendada, devendo os lacres das embalagens da suposta droga serem rompidos no Instituto de Criminalística, na presença dos advogados do acusado.

Porém, antes do cumprimento dessa determinação judicial, o delegado responsável pelo inquérito remeteu aos autos “laudo pericial complementar”. Assinado pelo mesmo perito que produziu o definitivo, o documento atestou a presença de cocaína e o juízo o acolheu, apesar de a defesa impugnar a sua juntada. Segundo a sentença condenatória, em audiência, sob o crivo do contraditório, o expert esclareceu o antagonismo de resultados.

A defesa interpôs recurso de apelação, mas o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) manteve a condenação. No entanto, para o ministro Schietti, o depoimento do perito não sanou a ausência de contraditório. “A intervenção da autoridade policial mais se parece com um chamado ao perito para rever sua conclusão e eiva de nulidade o laudo complementar produzido”.

O relator do Habeas Corpus acrescentou que o réu “teria uma chance possível e razoável de provar a inexistência do delito de tráfico”. Entretanto, como o juízo “se contentou e desistiu” da produção do novo laudo, ao contrário do que já havia decidido, e autorizou a incineração da droga, “interrompeu essa possibilidade e, por conseguinte, reduziu o acervo probatório à disposição da defesa. Evidente aqui o prejuízo”.

Os ministros Antonio Saldanha Palheiro, Jesuíno Rissato (desembargador convocado do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios) e Sebastião Reis Júnior votaram com o relator. Por unanimidade, o colegiado reconheceu a nulidade do laudo complementar e da decisão que dispensou a nova perícia, absolvendo o réu com fundamento no artigo 386, inciso II, do CPP (não haver prova da existência do fato).