Réu condenado a 60 anos tem júri anulado por contradição dos jurados

Embora a Constituição Federal assegure a soberania dos veredictos (artigo 5º, inciso XXXVIII, letra “c”), ela não é absoluta. No caso de os jurados responderem aos quesitos de forma contraditória, haverá uma decisão manifestamente contrária à prova dos autos, passível de ser anulada a fim de o réu ser submetido a novo júri, nos termos do artigo 593, parágrafo 3º, do Código de Processo Penal.

Sob essa fundamentação, em decisão unânime, a 1ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) deu parcial provimento ao recurso de apelação do advogado Eugênio Carlo Balliano Malavasi, que sustentou oralmente, e anulou o júri que condenou um dentista a 60 anos de reclusão, em regime inicial fechado, pela prática de cinco homicídios (três consumados e dois tentados).

“Mostrou-se contraditória a decisão do Conselho de Sentença ao entender que o réu era imputável em relação a três vítimas e inimputável em relação a duas delas, principalmente considerando homicídios ocorridos no mesmo dia (15/07/2015), embora um deles tenha sido tentado”, observou o desembargador relator Diniz Fernando Ferreira da Cruz. O julgamento do recurso ocorreu nesta quarta-feira (24/1).

Disfarçado com peruca, o dentista cometeu os homicídios em três ataques distintos, em Santos, entre 23 de dezembro de 2014 e 23 de setembro de 2015. Ligadas a uma cadeia de clínicas dentárias em Santos e São Vicente, as vítimas foram atingidas por tiros. Segundo o Ministério Público, o réu agiu por motivo torpe, caracterizado pela vingança, porque atribuía o seu declínio profissional à ascensão da rede odontológica concorrente.

Cardápio pericial

Acusação e defesa juntaram nos autos laudos periciais divergentes entre si quanto à saúde mental do acusado. Há resultado de exame que aponta o réu como imputável, mas outro que o classifica como inimputável. Ainda conforme uma terceira conclusão de expert que examinou Flávio, ele era “parcialmente incapaz de entendimento e totalmente de determinação”.

Diante desse leque, os jurados poderiam optar por qualquer uma delas, “mas não da forma como ocorreu”, conforme assinalou relator. “Sendo cinco vítimas, os quesitos foram divididos em cinco séries. Nas séries 1 a 3, os jurados entenderam que o réu era imputável à época dos fatos. Contudo, nas séries 4 e 5, votaram pela inimputabilidade”, acrescentou Diniz Fernando.

Diante dessas respostas aos quesitos, o relator concluiu que os jurados apresentaram decisões “incoerentes”, sendo o caso de anular o júri e determinar a realização de outro. Os desembargadores Figueiredo Gonçalves e Mário Devienne Ferraz também participaram do julgamento da apelação. Com esse acórdão, os recursos do Ministério Público e dos assistentes da acusação pedindo a elevação da pena ficaram prejudicados.

Ainda será designada a data do novo julgamento. O primeiro júri durou três dias, sendo o veredicto anunciado na noite de 12 de maio de 2022. O réu encontra-se recolhido na Penitenciária José A. C. Salgado, a P-II de Tremembé, e o TJ-SP manteve a sua prisão preventiva. Ele permaneceu foragido por mais de três anos, considerando a data do último crime. A sua captura ocorreu em novembro de 2018.

 

Processo 0002442-77.2015.8.26.0562

 

Fonte: Consultor Jurídico

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