Repetição de fato atípico não basta para convertê-lo em conduta relevante

Quinta Turma aplicou princípio da insignificância em caso de reincidência

A reiteração de um fato atípico não basta para que ele seja transformado em uma conduta com relevância penal. Com base nesse entendimento, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça deu provimento ao agravo regimental pedido pela Defensoria Pública de Goiás em defesa de uma mulher que roubou oito frascos de xampu.

Segundo os autos, a mulher roubou os produtos — no valor total de R$ 93 — em uma loja localizada em um shopping center da cidade de Aparecida de Goiânia (GO). Ao notarem a ação, empregados do estabelecimento tentaram pará-la, mas ela fugiu correndo pelo estacionamento. A mulher, então, deu de cara com uma equipe da Polícia Militar que já a conhecia pela prática anterior de furtos. Foi aí que o gerente da loja apareceu no local e contou sobre o roubo, e em seguida foi dada voz de prisão.

A decisão de primeiro grau não reconheceu a incidência do princípio da insignificância e condenou a mulher. A defesa, então, impetrou Habeas Corpus perante o Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-MG), que negou o pedido.

No STJ, a defesa teve o requerimento negado em decisão monocrática do relator, ministro Messod Azulay Neto. Na sequência, o caso foi apreciado pela 5ª Turma, que mudou a decisão.

Prevaleceu no julgamento o voto da ministra Daniela Teixeira, para quem o roubo sem violência ou grave ameaça de oito frascos de xampu, devolvidos após a captura da mulher, “não integra a concepção de lesividade relevante ao ponto de justificar a intervenção do Direito Penal no caso concreto”, e a repetição de condutas dessa natureza não altera essa conclusão. Votaram com ela os ministros Reynaldo Soares da Fonseca e Ribeiro Dantas.

“Repetir várias vezes algo atípico não torna esse fato um crime. Rememora-se, ainda, que o Direito Penal é subsidiário e fragmentário, só devendo atuar para proteger os bens jurídicos mais caros a uma sociedade”, sustentou a ministra em seu voto.

A magistrada afirmou que, para a aplicação do princípio da insignificância, são necessários mínima ofensividade da conduta do agente; nenhuma periculosidade social da ação; reduzido grau de reprovabilidade do comportamento do agente; e inexpressividade da lesão jurídica provocada.

“Em resumo, a tentativa de furto atribuída à paciente é de objetos de pequeno valor, para higiene pessoal, e que foram — ressalta-se — restituídos à vítima logo depois da ocorrência dos fatos”, lembrou a ministra.

Por fim, ela considerou que a mulher é tecnicamente ré primária, uma vez que as ações penais a ela atreladas estão em fase de conhecimento, ou seja, sem sentença penal condenatória transitada em julgado, e que nenhum dos registros apresenta maior gravidade, sendo todos referentes a crimes patrimoniais sem violência ou grave ameaça.

Voto vencido

Ficou vencido o relator da matéria. Messod Azulay Neto considerou que o STJ firmou entendimento anterior de que “a restituição imediata e integral do bem furtado não constitui, por si só, motivo suficiente para a incidência do princípio da insignificância”.

O magistrado votou por negar provimento ao agravo, reforçando que, de 2019 para cá, a folha de antecedentes juntada pela defesa registra que a mulher responde por mais seis ações penais pela prática de furto, quatro por tráfico ilícito de entorpecentes e uma por receptação. Votou com ele o ministro Joel Ilan Paciornik.

 

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HC 834.558

 

Fonte: Consultor Jurídico