Seis anos depois de sofrer agressões físicas, um homem ajuizou a ação civil ex delicto contra seus agressores. Entretanto, após o juízo de primeiro grau condenar os agressores por lesão corporal grave, a pena dos réus foi extinta pela prescrição retroativa.

Os agressores, então, interpuseram recurso especial no STJ alegando que a ação indenizatória só poderia ter sido ajuizada se houvesse condenação criminal transitada em julgado. Sustentaram ainda que a pretensão reparatória estaria prescrita.

A ministra Nancy Andrighi, relatora, ponderou que a prescrição da pretensão punitiva do Estado impede apenas a formação do título executivo judicial na esfera criminal, mas não afeta o exercício da pretensão indenizatória no juízo cível.

Segundo a ministra, a legislação brasileira estabelece uma relativa autonomia entre as esferas civil e penal. Ela explicou que aqueles que desejam buscar compensação por danos decorrentes de um delito têm a opção de ingressar com ação de indenização no âmbito civil ou aguardar o desfecho do processo penal, podendo, somente após isso, liquidar ou executar o título judicial resultante de uma eventual sentença penal condenatória transitada em julgado.

“A ação civil ex delicto é, portanto, a ação ajuizada pela vítima, na esfera civil, para obter a indenização dos danos — materiais e/ou morais — sofridos em virtude da prática de uma infração penal; é, pois, a ação cuja pretensão se vincula à ocorrência de um fato delituoso que causou danos, ainda que tal fato e sua autoria não tenham sido definitivamente apurados no juízo criminal”, declarou.

Juiz pode fixar valor mínimo de dano moral em sentença penal condenatória

Para a 6ª Turma, o juiz, ao proferir sentença penal condenatória, no momento de fixar o valor mínimo para a reparação dos danos causados pelo crime, pode considerar também os danos morais, e não só os materiais – desde que fundamente essa opção.

O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJ-DFT) havia decidido que a condenação à reparação mínima prevista no artigo 387, inciso IV, do Código de Processo Penal (CPP) diz respeito apenas aos prejuízos materiais demonstrados nos autos, sem envolver o dano moral.

Ao julgar o REsp 1.585.684, a ministra Maria Thereza de Assis Moura, relatora, afirmou que, com o objetivo de dar maior efetividade ao direito da vítima em ver ressarcido o dano sofrido, a Lei 11.719/2008 alterou o CPP para dar ao magistrado penal o poder de fixar um valor mínimo para a reparação civil do dano causado pelo crime, “sem prejuízo da apuração do dano efetivamente sofrido pelo ofendido na esfera civil”.

“Dessa forma, junto com a sentença penal, haverá uma sentença civil líquida, e mesmo que limitada, estará apta a ser executada. E quando se fala em sentença civil, em que se apura o valor do prejuízo causado a outrem, vale lembrar que, além do prejuízo material, também deve ser observado o dano moral que a conduta ilícita ocasionou”, declarou a ministra.

Absolvição na ação de improbidade repercute no trancamento do processo penal

A absolvição na ação de improbidade administrativa em virtude da falta de dolo e da ausência de obtenção de vantagem indevida esvazia a justa causa para manutenção da ação penal. Com esse entendimento, ao julgar o RHC 173.448, a 5ª Turma deu provimento a um recurso em habeas corpus e trancou a ação penal contra uma empresária acusada de integrar suposto esquema de desvio de verbas públicas no governo do Distrito Federal.

A empresária enfrentou acusações de corrupção ativa e lavagem de dinheiro no âmbito da operação caixa de pandora. Entretanto, com base na subsequente absolvição na ação de improbidade, movida em razão dos mesmos eventos, a defesa da empresária interpôs um habeas corpus, o qual foi denegado pelo TJ-DFT.

Ao STJ, a defesa sustentou que, diante da absolvição da empresária na ação de improbidade ajuizada pelos mesmos fatos, a ação penal deveria ter sido trancada, pois não haveria justa causa para a persecução penal.

O relator do recurso, ministro Reynaldo Soares da Fonseca, observou que não é possível que o dolo da conduta em si não esteja demonstrado no juízo cível e se revele no juízo penal, em se tratando do mesmo fato.

“Não se verifica mais a plausibilidade do direito de punir, uma vez que a conduta típica, primeiro elemento do conceito analítico de crime, depende do dolo para se configurar, e este foi categoricamente afastado pela instância cível”, afirmou.

O magistrado ponderou que, apesar de a absolvição civil não autorizar o encerramento da ação penal, existem fundamentos que não podem ser ignorados na análise do juízo criminal. Para o ministro, no caso em questão, a ausência de dolo e de obtenção de vantagem indevida esvazia a justa causa para a persecução penal.

“Constata-se, assim, de forma excepcional, a efetiva repercussão da decisão de improbidade sobre a justa causa da ação penal em trâmite”, concluiu.

Tendo a instância cível afirmado que não ficou demonstrado que os particulares induziram ou concorreram dolosamente para a prática de ato que atente contra os princípios da administração, não pode a mesma conduta ser violadora de bem jurídico tutelado pelo direito penal.
Absolvição penal por falta de prova não vincula o juízo cível no julgamento de ação reparatória

Em outro julgamento relevante da 3ª Turma, o REsp 1.117.131, foi definido que a sentença penal absolutória, quando fundamentada na falta de provas, não vincula o juízo cível no julgamento de ação civil reparatória acerca do mesmo fato.

No caso, uma mulher ajuizou ação de indenização por danos morais e materiais contra o homem que atropelou e matou seu esposo.

A ação foi julgada procedente, a fim de condenar o acusado ao pagamento de pensão mensal e indenização por danos morais. No mesmo período, uma ação penal pelo mesmo fato também esteve em andamento, na qual o juízo — segundo o acusado — teria reconhecido a responsabilidade exclusiva da vítima, o que resultou na absolvição.

Tendo em vista a essa decisão absolutória, o homem apresentou uma objeção de pré-executividade no processo de indenização em andamento no juízo cível. Ele solicitou a extinção do processo devido à falta de liquidez e certeza do título judicial que estava sendo executado. As instâncias ordinárias, contudo, rejeitaram a objeção.

Em seu voto, a relatora, ministra Nancy Andrighi, apontou que a absolvição no juízo criminal não exclui automaticamente a possibilidade de condenação no cível. Segundo a ministra, o juízo cível é menos rigoroso do que o criminal no que diz respeito aos requisitos da condenação, o que explica a possibilidade de haver decisões aparentemente conflitantes em ambas as esferas.

A relatora ressaltou que, apesar de o recorrente afirmar que a absolvição no juízo penal ocorreu por culpa exclusiva da própria vítima, a decisão foi proferida por falta de provas, de maneira que não impede a indenização pelo dano civil.

Nancy Andrighi explicou que a ação em que se discute a reparação civil somente estará prejudicada na hipótese de a sentença penal absolutória estar fundamentada na inexistência do fato, na negativa de autoria ou em alguma excludente de ilicitude.

“A decisão absolutória não pode obstar a execução da decisão proferida na ação civil proposta em face do recorrente, pois não ocorreu declaração de inexistência material do acidente que vitimou o esposo da autora da ação de indenização”, disse.

Membro do MP acusado de falta administrativa também prevista como crime

Já no julgamento do REsp 1.535.222, a 2ª Turma estabeleceu que, na hipótese de membro de Ministério Público estadual praticar falta administrativa também prevista na lei penal como crime, o prazo prescricional da ação civil para a aplicação da pena administrativa de perda do cargo somente tem início com o trânsito em julgado da sentença condenatória na órbita penal.

O ministro Og Fernandes, relator, ponderou que, embora as instâncias civil, administrativa e penal sejam independentes, e a vinculação automática só exista quando, na área penal, se reconhece a negativa do fato ou da autoria, o regime jurídico dos membros do MP tem uma particularidade: a ação civil para decretação da perda do cargo só pode ser proposta depois de transitada em julgado a sentença penal, quando houver a prática de crime incompatível com o exercício do cargo.

Quando a lei determina que a ação civil para perda do cargo somente deve ser ajuizada após o trânsito em julgado da sentença penal, por decorrência lógica, o prazo de prescrição da ação civil para perda do cargo também só começa a contar a partir do trânsito em julgado da sentença condenatória no âmbito penal.

O magistrado ainda ressaltou que a garantia dada aos membros do MP de não poderem perder o cargo senão por meio de ação civil própria, posterior à sentença criminal transitada em julgado, não pode se transformar em um obstáculo para a punição justa e adequada.

“Pensar o contrário seria admitir a possibilidade de que a ação civil pública para perda do cargo sempre ficaria no aguardo de que a ação criminal fosse rápida e atingisse o trânsito em julgado, antes que o lapso prescricional incidisse no caso. Uma interpretação nesse patamar, além de contraditória, porquanto levaria à conclusão de que, mesmo impedindo de ingressar com uma demanda, ainda assim haveria um prazo prescricional correndo contra si, desborda de qualquer lógica jurídica. É dizer: prescrição somente ocorre quando alguém, podendo agir, deixa de fazê-lo no tempo oportuno; não quando deixou de agir ex lege (por força de lei)”, concluiu.

 

Fonte: STJ

Foto: Darkdiamond67 / iStock