PGR defende tratamento carcerário igualitário para mulheres transexuais e travestis

Em parecer enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF), a Procuradoria-Geral da República se manifesta pela inconstitucionalidade de parte de norma do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que dispensa tratamento carcerário diferente para pessoas transexuais e travestis.

A Resolução 348/2020 do CNJ, com redação dada pela Resolução 366/2021, determina que seja oferecida às mulheres transexuais a possibilidade de cumprimento da pena em presídios femininos, masculinos ou específicos, quando houver, mas restringe às pessoas autodeclaradas parte da população gay, lésbica, bissexual, intersexo e travesti somente as opções de convívio geral, celas ou alas específicas. A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7.429 foi proposta pela Associação Nacional de Transgêneros (Antra), que questiona os artigos arts. 7º e 8º da citada norma do CNJ.

O parecer da PGR é pela procedência parcial da ADI, para que seja declarada a inconstitucionalidade dos incisos II e III, do art. 8º, da Resolução CNJ 348/2020, com a redação conferida pela Resolução CNJ 366/2021. A procuradora-geral da República, Elizeta Ramos, ressalta que o ato normativo do CNJ seguiu o entendimento da Suprema Corte em outro caso, no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 527, em 2019. Na ocasião, diante de suposta “falta de informação”, o STF determinou que apenas transexuais fossem transferidas para presídios femininos, excluindo da decisão as mulheres travestis.

Contudo, em março de 2021, após discussões institucionais e apresentação de documentos, o relator do caso, ministro Roberto Barroso, alterou a decisão. A reformulação promoveu igualdade de tratamento entre pessoas transexuais e travestis em contexto carcerário, de modo a oferecer às transexuais e travestis com identidade de gênero feminina o direito de cumprir a pena em estabelecimento prisional feminino ou em estabelecimento prisional masculino, porém em área reservada, que garanta a sua segurança.

“O tratamento diverso para pessoas transexuais, travestis e intersexo é inconstitucional e foi expressamente afastado na ADPF 527, fundamento que não mais subsiste”, reitera Elizeta Ramos. A PGR enfatiza ainda que “luzes às vulnerabilidades acrescidas, em contexto de pessoas privadas de liberdade, é medida que se atenta à dignidade humana e aos direitos humanos das pessoas em cárcere – provisório ou definitivo”.

Resolução do CNJ

A Resolução 348 foi publicada em 2020, antes da reformulação da decisão na ADPF 527 pela Suprema Corte. A norma do CNJ estabelece diretrizes e procedimentos a serem observados pelo Poder Judiciário, no âmbito criminal, com relação ao tratamento da população lésbica, gay, bissexual, transexual, travesti ou intersexo. No ano seguinte, em janeiro de 2021, houve alteração na redação referente ao artigo 8º.

Diferentemente do texto de 2020, que equiparava a situação de escolha por transexuais, travestis e intersexos, a redação de 2021 diferenciou o questionamento sobre a preferência direcionada a pessoas transexuais, de um lado, e intersexo e travestis, de outro. Conforme os novos termos, o magistrado deve indagar à pessoa autodeclarada transexual sobre a preferência pela custódia em unidade feminina, masculina ou específica, se houver, e, na unidade escolhida, preferência pela detenção no convívio geral ou em alas ou celas específicas, onde houver. No caso das pessoas intersexo e travestis, o magistrado deve questionar apenas a preferência pela custódia no convívio geral ou em alas específicas.

Obrigatoriedade – Na ação, a Antra também defende que o magistrado seja obrigado a acatar a preferência de local apresentada pelas pessoas transexuais ou travestis. No entanto, a PGR alega que, conforme o princípio do devido processo legal, cabe ao magistrado analisar o pedido e verificar sua viabilidade, sempre de forma fundamentada. Para Elizeta Ramos, o desejo da pessoa transexual de ir cumprir pena em presídios ou alas específicas não deve retirar do magistrado a sua tarefa constitucional de decisão.

“Eventual determinação vinculante para que magistrados sejam obrigados a acatar a opção da pessoa trans, sem espaço de ponderação, desconsidera a independência do Juízo e o princípio da livre convicção judicial motivada, conforme o Código Processual Penal, sempre submetido às garantias constitucionais do processo penal”, conclui a PGR.