O uso estratégico e deturpado das medidas protetivas

Campo Grande, 29 de abril de 2024

DENTROA Lei Maria da Penha é uma legislação emblemática no combate à violência doméstica e familiar contra a mulher no Brasil, e trouxe consigo as medidas protetivas de urgência como um avanço legal e social significativo. No entanto, em alguns casos, a aplicação dessas medidas pode não corresponder à necessidade real de proteção, distanciando-se dos princípios que inspiraram a Lei nº 11.340/2006.

Uma questão que está em pauta é atualmente o uso indevido da lei como ferramenta de retaliação ou obtenção de vantagem em conflitos familiares, ou conjugais, sobretudo quando há uma medida protetiva de urgência estabelecida.

Dentro desse contexto, aborda-se sobre o desvio de finalidade da medida protetiva de urgência, em casos em que a devassa é utilizada como mecanismo para prejudicar o (ex) companheiro em conflitos processuais já existentes, desvirtuando a finalidade precípua de uma medida extremamente relevante e necessária para a sociedade, e prejudicando, dessa forma, o alcance da mesma em relação as verdadeiras vítimas de violência doméstica.

Como separar o “trigo do joio”?

Em março do corrente ano, conhecido “mês da mulher”, foi divulgado por um jornal sul-mato-grossense uma alarmante matéria, revelando um aumento de 66% nos registros de crimes contra a mulher em Mato Groso do Sul. Um cenário preocupante que destaca a urgência, necessidade e a importância de se ter medidas eficazes para proteger o bem-estar e a vida dessas vítimas.

A Lei Maria da Penha é um marco legal e histórico, sendo promulgada com o propósito nobre de proteger mulheres vítimas de violência doméstica, tutelando direitos fundamentais como o direito à vida, integridade física, dignidade e segurança. As medidas protetivas estabelecidas pela Lei 11.340/2006, emergem como um instrumento essencial, especialmente por sua eficácia na agilidade processual.

Frente o alarmante aumento dos casos de violência contra a mulher, as medidas protetivas emergem como elementos de extrema importância e necessidade. Elas visam proteger mulheres em situação de vulnerabilidade doméstica com maior celeridade, prevenindo a perpetuação de ciclos de violência e desempenhando um papel crucial na proteção das vítimas de violência doméstica.

Entretanto, é igualmente importante saber separar o “joio do trigo”. O uso do instituto com segundas intenções, lhe atribui uma “finalidade sombria“, que, em determinados casos, geram no suposto agressor sentimento de impotência e injustiça, frente o afetamento excessivo de seus direitos.

Nesse contexto, torna-se imprescindível estabelecer um filtro e uma análise criteriosa dos fatos de acordo com o caso concreto sub judice, visando evitar conflitos de interesses e proteger os direitos de todas as partes envolvidas, diz a advogada Patrícia Azevedo.

Dentre as situações mais recorrentes de desvirtuação da Lei Maria da Penha estão falsas acusações de violência doméstica, ações movidas por vingança ou retaliação em contextos de disputas familiares, ou relacionamentos conturbados, bem como a instrumentalização da legislação como estratégia para obtenção de vantagens em processos judiciais, tais como guarda de filhos, pensão alimentícia e partilha de bens.

Prejuízos aos direitos fundamentais do acusado e ao papel social da Lei

O uso indevido das medidas protetivas de urgência como estratégia pra se beneficiar em conflitos já existentes, acarreta sérios prejuízos aos direitos do acusado e acaba por banalizar a medida, ao passo que lota desnecessariamente os meios de fiscalização e execução das medidas para a proteção às verdadeiras vítimas, e impede que a lei cumpra seu papel social. Além disso, ao serem colocados sob a égide de uma medida protetiva indevida, os acusados podem sofrer danos irreparáveis em sua reputação, integridade moral e emocional.

A aplicação indiscriminada da medida protetiva de urgência, sem uma análise criteriosa e imparcial dos fatos, e ainda por ser instrumento legal instaurado unilateralmente, pode resultar em medidas restritivas de liberdade extremamente prejudiciais ao acusado, como o afastamento do lar e dos filhos, com base em alegações sem comprovação efetiva, as quais podem distorcer o propósito original da legislação e prejudicam aqueles que realmente precisam de proteção.

Não se pode olvidar que esse tipo de comportamento não apenas sobrecarrega o sistema judiciário, desperdiçando recursos e tempo que poderiam ser dedicados a casos legítimos, como também estigmatiza injustamente os alvos. Além disso, promove um grau de desconfiança no sistema de justiça, minando a credibilidade das medidas de proteção e dos órgãos responsáveis por sua aplicação.

Conclusão

A desvirtuação da Lei Maria da Penha representa um desafio significativo, pois sua instrumentalização como ferramenta de retaliação ou vantagem pessoal em conflitos judiciais e familiares compromete os princípios de justiça e equidade do nosso ordenamento jurídico. É crucial que as autoridades judiciais e administrativas estejam atentas a essas situações para garantir a aplicação equilibrada e justa das medidas protetivas de urgência.

Um caso paradigmático que ilustra a atuação do escritório Márcio Sandim Advogados frente à problemática da desvirtuação da medida protetiva ocorreu na cidade de Camapuã/MS. Nessa situação, a suposta vítima utilizou-se da medida protetiva de urgência para afastar um ex-affair da parceria rural firmada com sua irmã, objeto de ação judicial própria. À medida que impedia a aproximação do cliente imputado à sua ex-companheira foi revogada, após demonstrarmos que fora solicitada com o único intuito de impedir seu acesso à propriedade rural em disputa. Essa medida, adotada pela suposta vítima em um momento crucial de colheita e venda dos produtos objeto da parceria em litígio, favorecia os interesses de sua irmã.

Casos como esse, evidenciam a necessidade de uma abordagem sensível por parte das autoridades judiciais e policiais, além da conscientização da sociedade sobre os verdadeiros objetivos da Lei Maria da Penha. Somente assim será possível preservar os direitos fundamentais de todos os envolvidos e promover uma cultura de paz e respeito mútuo nas relações familiares e conjugais.