Campo Grande, 31 de maio de 2024
Por: Jacqueline Machado
Em um mundo dominado pelo patriarcado, o silêncio é, muitas vezes, a única voz permitida às mulheres e minorias. Seja através da violência física ou simbólica, do controle da narrativa ou da negação de oportunidades, a estrutura patriarcal busca silenciar aqueles que ousam desafiar seu poder.
Como bem disse a filósofa Simone de Beauvoir, “ninguém nasce mulher, torna-se mulher”. A construção social da feminilidade, sob o patriarcado, impõe às mulheres papéis e comportamentos pré-definidos, limitando suas ambições e silenciando suas vozes. Rebecca Solnit, em sua obra “A Mãe de Todas as Perguntas”, destaca como o patriarcado silencia as mulheres através do controle da narrativa. As histórias de mulheres são invisibilizadas, marginalizadas, renegadas a espaços privados ou consideradas menos importantes. Bell Hooks, por sua vez, em “Feminismo: Teoria e Prática”, explora como o patriarcado silencia as mulheres de cor, marginalizando suas experiências e perspectivas únicas. A interseccionalidade, ou seja, a sobreposição de diferentes formas de opressão, como racismo, sexismo e classismo, intensifica o silenciamento de mulheres negras, indígenas e de outras minorias.
Entre os anos de 1970 e 1980 foram escritos vários ensaios sobre o silêncio do patriarcado. Mary Wollstonecraft e outras feministas da época falaram da exclusão e da impotência das mulheres. As sufragistas trataram a ausência do direito ao voto como um silenciamento político e a exclusão de uma cidadania plena. Virginia Woolf escreveu ensaios sobre as restrições profissionais, financeiras, sociais e psicológicas vivenciadas pelas mulheres.
Em 1977, Audre Lorde apresentou um ensaio sobre raça, gênero e orientação sexual, chamado “A transformação do silêncio em linguagem e ação”, só publicado em 1984, onde dizia: “Os meus silêncios não me protegeram. O silêncio de vocês não as protegerá. Mas, em cada palavra efetivamente dita, para cada tentativa minha de dizer essas verdades que ainda estou procurando, estabeleci contato com outras mulheres enquanto examinávamos as palavras que coubessem num mundo em que todas nós acreditávamos, superando as nossas diferenças. E foi o cuidado e a atenção de todas essas mulheres que me deram força.”
Mas, o patriarcado vai além e a imposição do silêncio não se limita às mulheres. Aliás, antes mesmo de calar as mulheres a sociedade patriarcal cala os homens e esse é um dos primeiros tipos de violência desse sistema. Assim, homens que não se conformam com as normas masculinas tradicionais também são silenciados. A masculinidade tóxica, que valoriza a força, a repressão das emoções e a heteronormatividade, reprime a expressão autêntica e a busca por ajuda, silenciando os homens em suas dores e necessidades, o que constitui uma violência do sistema e é causa de muitas violências praticadas contra as mulheres.
O patriarcado, embora exija dos homens um silêncio diferente do que exige das mulheres, segundo Rebecca Solnit, exige que estes se calem e não expressem suas emoções. Assim, “o primeiro ato de violência que o patriarcado exige dos homens não é a violência contra as mulheres. Em vez disso, o patriarcado exige de todos os homens que pratiquem atos de automutilação psíquica, que matem suas partes emocionais”.
Um Imperativo para a construção de uma sociedade justa e equitativa é romper o silêncio. Para isso, é necessário:
- Educar com enfoque de gênero: promovendo a igualdade de gênero e desmistificando os estereótipos que contribuem para o silêncio patriarcal.
- Criar espaços seguros: onde mulheres e minorias se sintam livres para se expressar sem medo de julgamento ou represálias.
- Promover a escuta ativa: acolhendo as experiências e perspectivas de todos, especialmente dos grupos marginalizados.
- Acreditar nas vítimas: de violência e abuso, oferecendo apoio e recursos para que possam se curar e se sentir seguras.
- Desconstruir as normas sociais: que limitam a expressão feminina, perpetuam o patriarcado e o silenciamento, construindo novas masculinidades e feminilidades.
- Amplificar as vozes femininas: garantindo que as histórias e perspectivas de mulheres sejam ouvidas e valorizadas.
Lutar contra o silenciamento do patriarcado é uma luta pela liberdade de expressão, pela autonomia e pela justiça social. É um compromisso com a construção de um mundo onde todas as vozes sejam ouvidas e respeitadas e onde as mulheres possam viver livres e desenvolver sua autonomia sem medo de serem agredidas, violentadas ou mortas!