Campo Grande, 20 de maio de 2024
Por: Alex Viana
Todos nós acordamos com a sensação de que vivemos em um Estado Democrático de Direito, isto é, que vivemos sob o império da lei, sendo a liberdade e o devido processo legal direitos individuais fundamentais, cremos que jamais seremos vítimas da ineficiência do Estado, e, da irresponsabilidade criminosa de um agente estatal. Afinal, temos um dos Sistemas de Justiça mais caros do mundo, não é possível que servidores públicos bem remunerados irão descumprir a lei para prejudicar alguém.
Infelizmente, a realidade não é bem assim. Carlos Edmilson da Silva, negro, pobre, que trabalhava à época de jardineiro, foi preso e condenado por estupro de mulheres, entre 2010 e 2012, na grande São Paulo. Ele tinha apenas 24 anos quando foi preso em 10/03/12 pela Polícia Civil de Barueri. Carlos sempre negou os crimes. Mas foi reconhecido por foto e depois presencialmente pelas vítimas na delegacia. Acabou julgado e condenado à pena de 137 anos, 9 meses e 28 dias de prisão em regime fechado pelos estupros.
Após 12 anos de prisão injusta, em 16/04/24, Carlos finalmente saiu do presídio, sua mãe – ah, a mãe, essa nunca falha –, estava o esperando aos prantos de braços abertos. O STJ reconheceu a ilegalidade dos reconhecimentos, o art. 226 do Código de Processo Penal impõe que primeiro a vítima faça a descrição do autor do delito, após, o suposto autor deverá ser colocado ao lado de outras pessoas semelhantes para a vítima apontar quem foi, tudo isso para evitar erros.
Todavia, o que acontece e aconteceu é que é apresentado à vítima a foto de um só suspeito, geralmente, negro, induzindo à vítima a erro. A cereja do bolo é em audiências juízes mostrarem o acusado e perguntarem para a vítima se ele é o autor, como se após tudo isso a vítima tivesse a coragem de dizer que não sabe.
Infelizmente, muitos Carlos estão presos, isto é, muitos inocentes estão presos em casos semelhantes. A máquina de moer pobre, em crimes sexuais, à margem da presunção de inocência, do devido processo legal, e, da lei, emite condenações aos montes, estas fundamentadas exclusivamente nas declarações da vítima e nos depoimentos de quem mais reverbere as suas declarações.
A necessidade de se demonstrar e provar a materialidade e a autoria (art. 155 3 156, CPP) do delito fica pra escanteio. A imprescindibilidade de se demonstrar as evidências não é praticada. A cultura punitivista fundamenta a condenação exclusivamente na declaração da vítima, para disfarçar pega-se o laudo psicológico que somente reverbera a declaração, depoimentos de policiais ou familiares que também somente reverberam a declaração, e, está pronta, a condenação.
Nosso Sistema de Justiça Criminal não só descumpre a lei, mas, também viola frontalmente as garantias individuais fundamentais do Estado Democrático de Direito, como a legalidade, a presunção de inocência, o devido processo legal, a necessidade de fundamentação idônea, e, sobretudo, a dignidade da pessoa humana.
Que valor tem a liberdade e a vida? Que valor tem a liberdade e a vida de um pobre? O que acontecerá com os servidores públicos que passaram por esses processos e não fizeram o que a lei determina. Infelizmente, a vida e a liberdade de um pobre não têm valor algum para o sistema, e, não acontecerá nada aos servidores. Essa é a nossa triste realidade.
A história de Carlos Edmilson da Silva é um doloroso lembrete das profundas injustiças presentes em nosso sistema de justiça criminal, especialmente para aqueles marginalizados pela sociedade. Ângela Davis nos ensina que a luta pela justiça exige uma análise cuidadosa das interseções entre raça, classe e gênero, revelando como o racismo estrutural e a pobreza são entrelaçados em uma teia de opressão.
Enquanto indivíduos como Carlos continuarem a ser vítimas desse sistema falho, é nossa responsabilidade coletiva trabalhar incansavelmente para desmantelar as instituições que perpetuam essas injustiças e lutar por uma sociedade verdadeiramente justa e igualitária, onde a liberdade e a vida de todos tenham o mesmo valor.