Júri absolve por clemência acusado de planejar morte do marido de amante

Campo Grande, 25 de março de 2024

Júri absolveu, por clemência, acusado de planejar morte que já estava preso preventivamente há 6 anos

Submetido pela segunda vez a júri popular sob a acusação de planejar e emprestar dinheiro para que uma terceira pessoa matasse a tiros o marido de sua suposta amante, um homem foi absolvido no julgamento.

Apesar de reconhecerem a materialidade e a autoria do homicídio, os jurados inocentaram o réu, acolhendo pedido de clemência da defesa, tendo em vista que o homem já estava preso preventivamente há quase seis anos. Na hipótese de condenação, o acusado estaria sujeito a pena que varia de 12 a 30 anos de reclusão.

A decisão dos jurados está embasada no inciso III, do artigo 483, do Código de Processo Penal (CPP). É o chamado quesito genérico, no qual o Conselho de Sentença, após reconhecer a materialidade e a autoria do crime, deve ser indagado “se o acusado deve ser absolvido”. No caso dos autos, rogando pela misericórdia das sete pessoas sorteadas para decidir a causa, a defesa alegou que o tempo de prisão preventiva já equivale ao período de cumprimento de eventual pena em regime fechado.

A tese principal dos advogados Mauro Atui Neto e Glauber Bez, que destacaram falhas na investigação, foi a de negativa de autoria. Segundo eles, o executor dos tiros que mataram a vítima sequer foi apontado pelo MP, não sendo estabelecido com a certeza imprescindível para uma condenação o suposto liame entre esse desconhecido e quem o supostamente o contratou por R$ 5 mil, emprestando esse dinheiro à mulher da vítima. A viúva também nega envolvimento no homicídio e a sua condição de amante do réu.

O júri aconteceu no último dia 15, no Fórum de Votorantim (SP). Após a prolação da sentença, houve a revogação da preventiva do réu para que ele aguarde em liberdade o julgamento de eventual recurso de apelação do Ministério Público (MP). O crime ocorreu em 16 de novembro de 2012, sendo a denúncia oferecida em 12 de junho de 2018 junto com o pedido de prisão cautelar. A ordem de captura foi cumprida dois dias depois e, desde então, o acusado encontrava-se encarcerado.

Orientação indevida

No primeiro júri, realizado em 19 de setembro de 2021, o réu foi condenado por homicídio qualificado pelo motivo torpe, mediante paga, e pelo emprego de recurso que impediu a defesa da vítima, surpreendida enquanto pilotava a sua moto por uma estrada.

A pena aplicada foi de 16 anos de reclusão e a defesa apelou, sustentando que a juíza presidente da sessão, a pretexto de explicar aos jurados os quesitos, foi além de uma simples orientação e influenciou na decisão do Conselho de Sentença.

Segundo a defesa, ao se referir ao quesito do artigo 483, inciso III, do CPP, a juíza disse: “Os senhores podem neste quesito absolver o acusado, por exemplo, por clemência ou misericórdia, no entanto, quero deixar consignado que, eventual reconhecimento da absolvição pode acarretar a nulidade do julgamento por parte do Tribunal”. Por unanimidade, a 13ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo deu provimento ao recurso e anulou o júri, determinando a realização de outro.

“Evidente o desacerto da opção da magistrada em alertar os jurados acerca de eventual anulação do julgamento, caso decidissem pela absolvição do réu, na forma como realizada. Com efeito, a observação feita pela juíza que presidiu o tribunal do júri extrapolou a mera explicação prevista no artigo 484, parágrafo único, do Código de Processo Penal, e compreendeu potencial para induzir, inadequadamente, a íntima convicção dos jurados”, concluiu o acórdão.

O colegiado fundamentou a sua decisão na violação do princípio da soberania dos veredictos, enfatizando que a observação feita pela juíza interferiu na decisão dos jurados.

Confissão mitigada

O MP trouxe a plenário no segundo júri um dado novo em desfavor do réu: a confissão do acusado, por ocasião de sua submissão a exame criminológico no sistema prisional. Porém, os advogados colocaram em xeque o valor dela e, para isso, e citaram a minissérie Olhos que Condenam, exibida na Netflix. Baseada em fato real, que ficou conhecido como “Os cinco do Central Park”, a obra conta a história de cinco adolescentes que foram condenados por agredir e estuprar uma corredora no Central Park, em Nova Iorque.

Sem prova que os vinculasse ao ataque à mulher, os adolescentes foram sentenciados exclusivamente com base na confissão que fizeram à polícia. Porém, a defesa alegou que os acusados foram coagidos a admitir o crime. Mais de uma década depois, o grupo foi inocentado após um homem confessar que era o verdadeiro autor do delito.

No caso de Votorantim, conforme Atui e Bez, não houve coação direta ao réu, mas ele assumiu o homicídio por receio de que a negativa o prejudicasse no laudo do exame criminológico.

“Com a condenação do réu no primeiro júri, foi gerada guia de execução provisória. Ele trabalhava desde que entrou na cadeia e estava preso há quase seis anos. Por isso, chegou a fazer o criminológico, no qual confessou o crime, mesmo sendo inocente, porque, se negasse, dificilmente progrediria de regime. Como na minissérie Olhos que Condenam, a confissão tem que ser analisada com cautela”, argumentou Atui, rebatendo a fala do promotor Charles Zanini Pizoni.

O representante do MP não fez uso da réplica, antecipando o término dos debates. Cinco testemunhas, sendo três protegidas, depuseram na sessão, que foi presidida pelo juiz Salomão Santos Campos e durou cerca de oito horas e meia.

Processo 0000240-86.2013.8.26.0663

 

Fonte: Consultor Jurídico