Sem estado de flagrante ou mandado de prisão, a condução de algum suspeito de crime à delegacia é ilegal, sendo também ilícitos o posterior reconhecimento do averiguado e demais provas decorrentes da abordagem. Com essa observação, a juíza Elizabeth Lopes de Freitas, da 4ª Vara Criminal de Santos (SP), absolveu um homem acusado de roubo qualificado e classificou de “desastrosa” a atuação de dois policiais militares.
“A prova produzida no curso da ação penal e inclusive na fase policial é absolutamente nula, tendo-se em vista a atuação totalmente ilegal e desastrosa dos policiais ouvidos no presente caso, os quais após visualizarem o réu nas proximidades onde ocorreu o roubo, o conduziram à delegacia de polícia sem que houvesse qualquer mandado judicial ou situação de flagrância que justificasse sua ida à delegacia de polícia”, frisou a julgadora.
A decisão foi prolatada no último dia 30 de outubro, em audiência de instrução, debates e julgamento na qual a vítima reconheceu o réu. Os PMs que o detiveram também depuseram no ato processual. Em seu interrogatório judicial, o acusado negou envolvimento no delito, que contou com a participação de outros dois homens ainda não identificados. Na fase policial, ele havia optado pelo direito de permanecer calado.
O Ministério Público requereu em alegações finais a absolvição por insuficiência de prova. A Defensoria Pública endossou o pedido, acrescentando ser ilícita a prova produzida nos autos, devido à atuação dos policiais. Com mais ênfase, a juíza registrou: “A prova é imprestável para embasar qualquer decisão e, com mais razão ainda, para embasar uma sentença de condenação, uma vez que é nula de pleno direito”.
‘Ao arrepio da lei’
O roubo ocorreu em fevereiro de 2018. Porém, segundo a magistrada salientou, “o réu foi levado pelos policiais militares ao arrepio da lei e da Constituição Federal cerca de dois meses depois do fato, sem que houvesse flagrante ou ordem da autoridade competente”. A julgadora baseou a sua sentença na “teoria da árvore dos frutos podres”, conforme a qual a prova nula contamina as derivadas.
Com fundamento no artigo 386, inciso V, do Código de Processo Penal (não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal), Elizabeth de Freitas julgou a ação improcedente, externando o seu contragosto pelo desfecho processual. “É lamentável que um fato tão grave e que certamente causou tanto sofrimento à vítima tenha sido conduzido de forma completamente desastrosa e ilegal”.
O MP narrou na denúncia que o réu e dois comparsas desconhecidos, mediante o uso de faca, machado e uma arma de fogo, roubaram um guincheiro da concessionária responsável pela Rodovia Cônego Domênico Rangoni. O crime ocorreu na madrugada de 21 de fevereiro de 2018, quando a vítima foi prestar auxílio a um motociclista, cujo veículo apresentou defeito na estrada.
O guincheiro teve roubados celular, rádio de comunicação e o casaco de seu uniforme. Ainda conforme a inicial acusatória, policiais que trabalham na rodovia, “algum tempo depois”, viram o denunciado atrás de um caminhão e o reconheceram como um dos envolvidos no assalto, pois havia um vídeo da concessionária no qual ele apareceria. Porém, a filmagem não é da data do fato, conforme a juíza constou na sentença.
Fonte: Conjur