Campo Grande/MS, 11 de fevereiro de 2025.
A tentativa de fuga e o posterior descarte de drogas oferecem fundadas suspeitas para que a guarda municipal atue na repressão ao tráfico, como se fosse polícia.
Essa conclusão é da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que manteve a condenação de um homem pelo crime de tráfico de drogas. O julgamento se deu por maioria de votos.
O réu foi abordado e revistado por guardas municipais que patrulhavam o estacionamento do Mercado Municipal de Sorocaba (SP), diante de denúncias de prática de venda de entorpecentes.
Quando a viatura se aproximou, os presentes fugiram. O único perseguido e abordado foi o réu, que, na tentativa de fuga, dispensou uma sacola contendo 50 porções de crack.
A defesa impetrou Habeas Corpus alegando a nulidade da ação dos guardas municipais, que atuaram para apurar um fato narrado em denúncia anônima relacionada ao tráfico de drogas.
Atuação ilegítima
Relatora do HC, a ministra Daniela Teixeira deu razão à defesa. Isso porque a competência para patrulhar supostos pontos de tráfico de drogas, fazer abordagens e revistas em indivíduos suspeitos é da Polícia Militar.
No caso, segundo a magistrada, ainda que estivesse no estacionamento do mercado municipal, o réu não foi visto comercializando entorpecentes ou praticando qualquer outro delito. Ele só foi abordado porque fugiu.
“Não é possível admitir que a posterior constatação da situação de flagrância justifique a abordagem e a busca pessoal realizadas, já que amparadas em mera suspeita, o que contamina todo o conjunto probatório produzido”, concluiu ela.
Acompanhou a relatora o ministro Ribeiro Dantas. Abriu a divergência vencedora o ministro Joel Ilan Paciornik, que foi acompanhado pelos ministros Reynaldo Soares da Fonseca e Messod Azulay Neto.
Fuga dá fundadas razões
Para eles, a atuação da guarda municipal se justifica porque os fatos ocorreram em frente ao Mercado Municipal e devido à fundada suspeita que a fuga levantou.
“Os guardas municipais, ao identificarem comportamento suspeito e tentativa de fuga, exerceram poder policial residual, autorizado pela afinidade com sua missão de proteção do patrimônio público”, disse o ministro Joel.
O voto vencedor destacou que o Código de Processo Penal autoriza a prisão em flagrante por qualquer cidadão. Quando isso ocorre por agentes públicos, é necessária a fundada suspeita: no caso, a tentativa de fuga e o descarte de drogas.
Jurisprudência em modificação
A divergência na 5ª Turma se insere no contexto de reavaliação jurisprudencial sobre o tema da atuação das guardas municipais, em andamento nos tribunais superiores em Brasília.
Essa mudança partiu de um julgamento do STF no qual a corte decidiu que as guardas municipais fazem atividades típicas da segurança pública.
Como mostrou a revista eletrônica Consultor Jurídico, o julgamento no Supremo não autorizou agentes das GCMs a fazer abordagens e buscas pessoais, mas acabou abrindo as portas para essa interpretação.
Outro indício é de caráter político. Na última década, o efetivo de guardas municipais pelo país cresceu 35,7%, enquanto o de policiais militares diminuiu 6,8%. Também aumentou o número de GCMs armados — em algumas cidades, com fuzis e em equipes táticas de elite.
Isso é relevante porque quatro em cada dez guardas civis municipais ou metropolitanas no país atuam sem estarem sujeitas a órgãos de controle, que deveriam fiscalizar, investigar e auditar as atividades dessas corporações.
HC 815.334
Fonte: https://www.conjur.com.br/2025-fev-10/fuga-do-suspeito-autoriza-guarda-municipal-a-atuar-como-policia-diz-stj/