Campo Grande/MS, 7 de novembro de 2024.
Se a condenação fundada na redação original do artigo 11 da Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.492/1992) aponta o dolo genérico do réu, sem avançar sobre a existência do dolo específico, o recurso deve resultar na absolvição.
Essa conclusão é da 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que absolveu dois administradores públicos acusados de improbidade administrativa por fraudes em processos de licitação.
Por maioria de votos, o colegiado acolheu embargos de declaração com efeitos infringentes para afastar de vez a condenação em ambos os casos.
O placar é relevante porque aponta o caminho que o colegiado vai seguir, em meio à adaptação que o STJ tem feito na jurisprudência para acomodar as alterações feitas pela nova Lei de Improbidade Administrativa (Lei 14.230/2021).
O ponto central da celeuma está nos casos baseados na redação original do artigo 11, que se destinava à ação ou omissão que atentasse contra os princípios da administração pública.
A jurisprudência do STJ sobre o tema se firmou no sentido de sempre haver necessidade de dolo, ou seja, a vontade do réu de praticar o ato de improbidade.
Esse dolo, no entanto, poderia ser genérico: a vontade de praticar a conduta, sem necessidade de avaliar para qual finalidade. Ou seja, o STJ dispensava a obrigação do dolo específico, o ato de improbidade eivado de má-fé.
Naturalmente, passou a ser comum os juízes, sabendo que o dolo genérico bastaria para a condenação, não se debruçarem sobre a análise do dolo específico em suas sentenças e seus acórdãos.
Nova LIA em ação
Com a nova LIA, a exigência básica para qualquer tipo de improbidade passou a ser “a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado”. Essa previsão está no artigo 1º, parágrafo 2º.
Isso significa que agora o dolo precisa ser específico. E foi preciso estabelecer, nos casos julgados antes da mudança da lei, se a condenação com base no dolo genérico automaticamente exclui o dolo específico.
A conclusão da 1ª Turma, por maioria de votos, foi de que a absolvição seria necessária porque o acórdão se limitou a abordar a existência do dolo genérico. Em ambos os casos, o recurso especial ao STJ foi apenas da defesa.
“Sendo hipótese de dolo genérico, não haveria necessidade de retorno”, disse o ministro Gurgel de Faria, relator dos dois casos. Ele foi acompanhado pelos ministros Benedito Gonçalves e Sérgio Kukina.
O ministro Paulo Sérgio Domingues, que foi quem levantou a discussão quando os casos começaram a ser julgados, não votou porque não compareceu à sessão desta terça-feira (5/11).
Mantém a condenação
Abriu a divergência a ministra Regina Helena Costa, que identificou nos acórdãos dos tribunais de apelação indícios suficientes para caracterizar o dolo específico do réu.
No AREsp 2.161.043, ela citou trecho que afirma que os réus participaram de conluio com o objetivo específico de direcionar a licitação, visando obter vantagens ilícitas. Já no AREsp 2.078.253, o acórdão condenatório cita um conjunto de provas, relacionadas à cronologia desencontrada entre a licitação e as obras, que indica que o réu agiu de forma livre e consciente para acobertar contratações diretas anteriormente feitas.
“Se entendermos o dolo especifico como o objetivo e finalidade de praticar o delito, me parece que o tribunal já resolveu isso”, disse a ministra Regina Helena.
Seu voto acolheu os embargos de declaração com efeitos infringentes, mas para manter a condenação pela redação atual do artigo 11 da LIA, devolvendo o caso aos tribunais de apelação para refazer a dosimetria da pena.
Para isso, ela aplicou a tese da continuidade típico-normativa, que vem orientando as posições da 1ª Turma do STJ, embora ainda esteja em debate em julgamento na 1ª Seção, que reúne todos os ministros que julgam o tema.
Essa tese resolve a situação do artigo 11 ao propor o reenquadramento da conduta. Ou seja, se um ato tem sua tipificação em lei revogada, mas continua sendo ilícito na nova lei, o juiz pode simplesmente reenquadrá-lo.
Fonte: https://www.conjur.com.br/2024-nov-06/falta-de-analise-do-dolo-especifico-leva-stj-a-absolver-acusados-de-improbidade/