Campo Grande, 17 de maio de 2024
Por: Alex Viana
Estudos científicos e práticas em países desenvolvidos já deixaram claro há décadas que a criminalidade tem uma relação direta com a desigualdade social e a falta de políticas públicas. Segundo à Diretoria de Inteligência Penitenciária, no 15º ciclo SISDEPEN (julho a dezembro de 2023), no Brasil a densa maioria dos processos criminais advém dos crimes relacionados à droga; todavia, os réus nesses processos são peões, mulas, que entraram nessa buscando ganhar um dinheiro fácil, muitas vezes por necessidade.
Inobstante, a política criminal brasileira adotou um sistema flagrancial, onde a maioria dos processos advém de prisões em flagrantes feitos pela polícia militar, em vez de prisões baseadas em investigações. Em resumo a polícia civil, o ministério público, e, o judiciário, estão ocupadíssimos com os milhares de processos de peões e mulas inerentes ao tráfico de droga, não tendo, assim, tempo e nem disposição para se ocuparem com casos de maior relevância como o de homicídio e crimes de colarinho branco.
Essa hiperdemanda processual gera a morosidade judicial, e, essa morosidade faz com que tanto as investigações não andem, quanto os processos também não andem, é essa a grande responsável pela sensação de impunidade.
Ignorando tudo isso, e, iludindo a população, alguns políticos escolhem violões inexistentes para fazer uma espécie de circo e fingir que estão fazendo algo para o povo. Não se sabe quem é pior, aqueles que ludibriam, ou, aqueles que se deixam ludibriar quando se tem tantas maneiras de se saber a realidade.
A vilã eleita para enganar a população agora é a “saída temporária”, descrita nos artigos 122 a 125 da LEP (Lei de Execução Penal). Que tratava de um benefício para incentivar o preso a cumprir sua pena da melhor forma possível, isto é, o preso que estiver no regime semiaberto, poderia obter a autorização de saída temporária para ficar com sua família, frequentar curso, ou, participar de atividades para o retorno ao convívio social. Essa saída tinha duração máxima de 7 dias, e, somente podia ser liberada 4 vezes ao ano, e, quando o preso tinha bom comportamento, tinha cumprido mais de 1/6 da pena (se for primário) e 1/4 (se for reincidente).
Presos perigosos, que não demonstrassem estarem no caminho da ressocialização, dificilmente receberiam este benefício, pois, para ganhá-lo era necessário passar pelo Ministério Público e por um Juiz de Direito, estes que vão analisar o cumprimento dos requisitos. Só para se ter uma ideia, no Mato Grosso do Sul a evasão é ZERO, todos os presos que saem voltam, e, continuam a cumprir sua pena regularmente.
Portanto, não há dúvida que a saída temporária representa um mecanismo de ressocialização do preso ao âmbito social, mas, sobretudo, é um incentivo para que ele cumpra a sua pena de forma adequada e volte ao seio social ressocializado, ou seja, que não volte a cometer mais crimes.
Entretanto, sem ouvir a comunidade científica que estuda a criminologia, o Poder Legislativo alterou a norma e recrudesceu a execução penal, agora, por intermédio da Lei 14.843/24, os condenados à crime hediondo não terão direito a saída temporária, mas, há ainda um esforço para extirpar esse benefício da execução penal, como se ele fosse o grande vilão.
Essa ação é tão equivocada, que pode ser chamada de burra, pois, se sabe que as pessoas se organizam à medida que a necessidade exige, numa rua que o asfalto está bom os moradores não se mobilizam, mas, se nela existir buracos os moradores e quem mais passar pela rua se mobilizarão para que seja arrumada. Foi assim que as organizações criminosas (PCC e CV) nasceram.
Sem meias-palavras, o Congresso Nacional mais uma vez fortalece as organizações criminosas, pois, ao piorar a execução penal, sem incentivos para se ressocializar, o preso, certamente, abraçará quem lhe ajuda, e, dentro dos presídios essas organizações estão de braço abertos. A sociedade precisa se organizar para tornar hediondos os crimes de colarinho branco, assim, talvez, a classe política terá mais zelo com a execução penal.