Por redação.
Campo Grande/MS, 23 de julho de 2024.
Em entrevista concedida ao site “O Garantista”, o Pós-Doutor em Ciências Jurídico-Criminais pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa – UL (2021), Doutor em Direito Processual Penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP (2016), Mestre em Teoria Geral do Estado e Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC/RIO (2012), Magistrado (juiz de direito) do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, desde 1999, atualmente, Juiz Titular da 1ª Vara do Tribunal do Júri de Campo Grande/MS, Carlos Alberto Garcete, comentou sobre os dados obtidos através do estudo realizado pelo Fórum de Segurança Pública (FBSP), com a publicação do 18º Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2024).
Os dados relevam redução das mortes violentas no Brasil, mas, em contrapartida, é preocupante situação da mulher no Brasil, já que houve crescimento dos casos, em todos os tipos de violências contra as mulheres, em 2023.
Imagem: https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2024/07/anuario-2024.pdf
Nesse sentido, o Jurista exarou seu parecer acerca dos resultados encontrados, em resposta às perguntas formuladas pela nossa redação.
O Garantista: Como juiz titular da primeira vara do tribunal do júri, qual sua opinião sobre a redução das mortes violentas no Brasil?
Juiz Carlos Alberto Garcete: “O Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 224, que se refere ao exercício de 2023, serve e os anos anteriores também serviram, como uma bussola a todos aqueles que atuam na área criminal, principalmente a nós que somos juízes da área do tribunal do júri, somos gestores dessa matéria e nós observamos que esses números estão reduzidos de maneira estabilizada, ou seja, esses números vem diminuindo desde o ano de 2018 e nós observamos uma sensível diminuição em relação a 2023, quando nós tivemos no brasil 38595 homicídios dolosos registrados e no ano de 2022 39881. Então, observamos uma queda sensível desses números.
Em relação a MS, nós tivemos em 2022, 498 homicídios doloso registrados e em 2023 448, então é perceptível que há uma redução sensível desses números.
De qualquer modo, o anuário destaca que os números brasileiros proporcionalmente falando ainda são assustadores, porque o Brasil, inquestionavelmente, é um país altamente violento. Então, esses números, em comparação global, realmente chamam a atenção. Aqui é dito que o brasil tem apenas 3% da população mundial, mas, em contrapartida, tem registro de 10% de todos os homicídios que ocorrem no planeta. Então, já se observa por aí como o Brasil é um país violento.”
O Garantista:E quanto ao aumento dos números relacionados à violência contra a mulher?
Juiz Carlos Alberto Garcete: “Por outro lado, em relação aos crimes de violência doméstica, especialmente, feminicídios, que é uma qualificadora do homicídio, os números são realmente tristes porque tem cada vez mais aumentado todos os tipos de violência contra a mulher, para se ter uma ideia, nós tivemos registros de BO, em 2022, no brasil, da ordem de 1455 e em 2023 1467.
No MS, houve uma queda sensível, em comparação ao brasil, porque nós tivemos em 2022, 44 feminicídios em MS e em 2023 foram registrados 30.
O número de Medidas Protetivas no Brasil também aumentou, o número de tentativas também aumentou, no Brasil, em 2022, foram 2612 tentativa de feminicídio e em 2023, 2797, portanto, esses números continuam a subir, o que demonstra uma grande preocupação do brasil com a violência doméstica, como eu disse, todos os úmeros subiram em 2023, as agressão em relação a violência doméstica, o stalking subiu, o número de ameaças subiu, de violência psicológica subiu e o crime de importunação sexual e assédio sexual, também.
Outro dado assustador em relação as mulheres é de que no total desses delitos, observou-se que as vítimas de violência letal, as mulheres vítimas de violência letal, elas representam 66,9% são negras e 69,1% são mulheres entre 18 e 44 anos.”
O Garantista:Quais fatores você entende que podem ter ocasionado tais mudanças?
Juiz Carlos Alberto Garcete: “Então, é um ciclo de violência doméstica que precisa ser estudado, como vários pesquisadores vêm fazendo. Nós precisamos endurecer a legislação, como a exemplo um projeto de lei que eu apresentei na época ao deputado Fabio Trad, que protocolou esse projeto de lei na câmara dos deputados, mas, infelizmente, no final da legislatura, acabou não indo para frente. Mas, tratava-se de um projeto de lei que visava a transformar o feminicídio que hoje é uma qualificadora do homicídio a tornar-se um crime autônomo, o que em termos de persecução penal melhoraria a qualidade do processo penal brasileiro e o julgamento pelo tribunal do júri.
Mas não é só isso, quando falamos de violência doméstica contra a mulher é preciso lembrar sempre que isso decorre da chamada cultura patriarcal, que faz com que haja várias tendencias que levam a resistência no sentido de diminuir a violência contra a mulher, então um deles é essa influencia do ciclo que acaba fazendo com que a violência contra a mulher, ela é praticada e quando há uma impunidade, ela tende a cada vez mais aumentar, em nível de gravidade, até quando isso acaba finalizando com o crime de feminicídio.”
O Garantista: Os números refletem à realidade de Campo Grande/MS?
Juiz Carlos Alberto Garcete: “Em MS, como já dissemos, o número de feminicídios consumados e tentados diminuiu sensivelmente entre 2022 e 2023. Como eu disse, são números redutores, mas números pequenos, o que demonstra que a violência doméstica está sempre presente e é preocupante.
Em relação à Campo Grande, nós temos uma característica bastante positiva, porque já há muito tempo, nos temos a Casa da Mulher Brasileira, que faz um trabalho preventivo excelente.
Nós temos as delegacias de proteção à mulher e nós temos na justiça, as duas varas do tribunal do júri que funcionam muito bem e onde nós julgamos com a maior prioridade possível os júris de feminicídio.
Então, quando esses processos ficam prontos para o júri, os juízes da primeira e segunda vara do júri, prontamente, já designam uma data para que o acusado seja levado à julgamento. Então, na parte da justiça, nós tentamos buscar, no máximo possível, a celeridade nestes julgamentos para que haja uma resposta estatal o mais rápido possível.”
Por fim, insta salientar que o juiz, em suas redes sociais, mencionou que dentre as 19 audiências de custódias que realizou nesta segunda-feira (22), 6 envolviam violência doméstica.
De fato, os resultados quanto aos crimes de violência praticados contra as mulheres são preocupantes e revelam a necessidade de formulação de medidas preventivas e sancionatórias eficientes a fim de coibir a prática de tais delitos, resguardando os direitos das mulheres.