Do relacionamento abusivo até a morte da filha; o que Stephanie mudaria para ter Sophia ao seu lado

Campo Grande, 26 de junho de 2024
Dezessete meses sem Sophia, Stephanie pensa em recomeçar ao lado da filha mais nova

Por Angélica Colman

O que leva uma mulher a perder seu amor-próprio, sua alegria, e deixar sua forma de viver se abalar, por conta de um relacionamento?

O que leva uma mãe não conseguir sair de um relacionamento abusivo e extremamente agressivo? E o pior questionamento; o que leva uma mãe ver agressões contra seus filhos, e nada fazer?

É normal o ser humano julgar o outro e vir com aquela máxima de que “há se fosse eu já teria denunciado”, porém, ninguém sabe o que realmente passa por trás de uma conduta, o ser humano é extremamente julgador.

No dia 26 de janeiro de 2023, Sophia de Jesus Ocampo, foi morta, com traumatismo raquimedular em coluna cervical. Consta na denúncia que os acusados cometeram o crime de homicídio qualificado contra menor de quatorze anos pelo motivo fútil, utilizando-se de meio cruel.

O exame de corpo de delito e a médica da UPA do Coronel Antonino constataram que Sophia já estava morta quando chegou ao local. Ao constatarem hematomas e escoriações no corpo da criança, os profissionais acionaram a polícia. A suspeita na época é que as lesões foram causadas por agressões da mãe e do padrasto e resultaram na morte da menina.

Contra o acusado Christian Campoçano Leitheim, padrasto da menina, consta, ainda, a acusação de crime de estupro de vulnerável. Já a mãe, Stephanie de Jesus da Silva, foi acusada por homicídio doloso qualificado, por ser omissa, já que teria obrigação legal de proteger Sophia.

Dezessete meses depois que o crime ocorreu, os acusados continuam presos, e Stephanie encontra-se presa no interior de Mato Grosso do Sul.

Em entrevista ao site O Garantista, Stephanie contou brevemente como foi sua vida com Christian, o que levou a não denunciá-lo e principalmente, o que mudaria para que não ocorresse esse fim trágico.

Stephanie e Christian se conheceram na loja onde trabalhavam, em um shopping da Capital. Nessa época, Stephanie namorava outro rapaz, e quando o relacionamento terminou, Christian e Stephanie acabaram se relacionando. “No início do relacionamento com Christian, tudo era tranquilo e ele me tratava bem. Ele era amoroso”, lembra Stephanie.

Cerca de um mês namorando Christian, Stephanie acabou engravidando de Stella, e eles foram morar na casa onde ela conviveu com pai de Sophia.

Passado um tempo do relacionamento Christian passou a tratar Stephanie mal. Ele saia com os amigos e a deixava sozinha. Diante disso, ela voltou a morar sozinha com sua filha e Christian foi para casa dos seus pais.

Eles só voltaram no final da gestação de Stella, porém Christian impôs a condição que não queria ter nenhum vínculo com a família e amigos de Stephanie, assim alugando outro imóvel.

Durante a gravidez de Stella, Stephanie passava muito mal, e dos 4 meses em diante, passou a ficar em casa, até o nascimento da segunda filha.

“Quando Christian fez a proposta de viver comigo, ele disse que se eu não fosse morar com ele em outra casa, tudo estava acabado e eu teria que cuidar sozinha de Stella e Sophia. E ele falava que se eu entrasse na justiça para pedir pensão e a guarda da Stela, quando ela nascesse, ele acabaria com minha vida, já que o seu pai era policial”, conta.

Stephanie relata que as agressões tiveram início quando ela ainda estava grávida de Stella, e que assim que se mudaram para a nova casa, o filho de Christian foi morar com eles.

“Um dia ele saiu de casa e eu fui atrás, eu ia mandar mensagem para a mãe dele. Nesse momento, ele arremessou meu celular no chão, e me agrediu com um soco. Nesse momento me senti culpada, porém, ele me pediu desculpas e afirmou que isso não aconteceria novamente”, lembra.

Logo que Stella nasceu, Christian ficou desempregado, foi quando ele teve a ideia de propor que apenas um dos dois trabalhasse, e outro ficava com as crianças. Nessa época Stella tinha 2 meses.

Conta ainda que Christian era muito agressivo com seu filho, já que o agredia com socos. Quando Stephanie tentava intervir, Christian também a agredia. “Eu não concordava com a forma que ele educava o filho. Eu sempre tive uma criação rigorosa, porém, minha mãe, apesar de me corrigir com tapas, nunca me espancou ou agrediu da forma que Christian fazia com o filho”, explica.

Christian tentava corrigir o comportamento de Sophia, porém Stephanie intervia, já que ela não corrigia a criança com agressões, somente com gritos ou tapas.

“Na minha presença ele nunca agrediu Sophia da forma como ele batia no filho dele. Quando eu presenciava, eu tentava reprimir, porém, ele sempre me desafiava, e dizia que era para denunciá-lo, chamar a polícia, afirmando que se eu fizesse, ele iria sumir com a Stella. Dizia também que iria inventar coisas para o pai da Sophia pegar a guarda dela. Ele me enforcava até ficar sem ar”, relembra Stephanie, dizendo ainda que o filho de Christian presenciava todas as agressões.

Ela trabalhava oito horas por dia, e nesse local não podia utilizar celular, então ia até um ponto em que não pegava a câmera de segurança para mandar mensagem para Christian, para monitorar e saber sobre Sophia.

Ela conta que houve vezes em que Christian reclamou de ter que cuidar das crianças, e em uma delas, ela se propôs a pedir demissão para que ele fosse trabalhar, mas ele não deixava que isso acontecesse.

Um mês antes de Sophia falecer, Stephanie começou a perceber alteração no comportamento da menina. “Ela só queria ficar comigo quando eu chegava do trabalho, acredito que foi a partir daí que ele começou a bater nela”, conta.

Questionada sobre machucados e hematomas, Stephanie disse que havia percebido um único hematoma nas costas da Sophia, e que quando ela questionou Christian, ele não soube a explicar como aconteceu.

Já sobre a fratura que Sophia teve na tíbia, Stephanie disse que a menina caiu no banheiro quando estavam juntas tomando banho, e que chegou a levá-la no hospital, foi quando o médico disse que seria normal, no caso de crianças, haver fratura em queda da mesma altura, já que o osso ainda é frágil, e por este motivo, não pensou que Sophia pudesse ter sido torturada por Christian.

No dia anterior a morte, Sophia passou mal com vômitos e não queria comer, Stephanie estava trabalhando. Ao chegar em casa, pensou em levar a pequena até o UPA, porém, segundo ela, o tempo todo Christian dizia que não precisava, que era só dar remédios que ela melhorava

No dia seguinte, Stephanie decidiu não ir trabalhar para cuidar de Sophia, Christian, por sua vez, continuava dizendo que não precisava levar ao médico. Logo após o almoço, Sophia dormiu, e acordou com dor e a barriga inchada. Stephanie pediu dinheiro para sua mãe para pegar Uber e levar Sophia ao UPA.

Ao arrumar as crianças, para que todos fossem juntos ao UPA, Stella começou a chorar, neste momento, Christian disse para Stephanie terminar de arrumar tudo e pegou Sophia para levá-la ao banheiro.

Quando ele voltou, Stephanie percebeu que ela estava mole, que suas pernas não firmavam no chão, porém, ainda estava com vida. Christian, por sua vez, começou a fazer massagem no peito de Sophia e dizia para não parar e fazer respiração boca-a-boca.

“Eu chamei o Uber e Christian disse para eu continuar fazendo massagem no peito dela. Quando chegamos no UPA, Sophia estava ‘mole’, para mim ela ainda estava viva”, lembra.

Segundo a denúncia do Ministério Público Estadual, certo dia, Christian enviou mensagem de texto para Stephanie, e relatou que Sophia estava chorando e “endemoniada”, disse ainda, que mandou ela se deitar, e como não obedeceu, foi agredida. Tempo depois, mandou outra mensagem dizendo que Sophia apresentava febre e quadro de vômito.

Ainda nas mensagens, Christian disse que deu um pano para que a menina não se sujasse, já que ela havia vomitado diversas vezes. O relatório aponta ainda que Sophia foi agredida com tapas e ‘quebra-costela’. Em uma das mensagens Christian dizia “Dá uns tapão nela, aí você vira a cara dela para o colchão e fica segurando porque aí ela para de chorar. É sério. Parece até tortura mais não é, porque aí ela fica sem ar e para chorar. Entendeu”.

O MPE conclui que Stephanie tinha ciência de tudo o que acontecia com sua filha, e optou por não agir.

Questionada do que poderia ter feito de diferente, Stephanie responde que poderia ter recorrido à justiça, mas estava em um relacionamento abusivo, e vivia com medo do que poderia acontecer. “Eu poderia ter denunciado, recorrido à justiça, mas o meu medo de acontecer alguma coisa com minhas filhas era muito grande. Ele falava que ia sumir e que eu nunca mais veria minhas filhas”, encerra Stephanie, chorando e dizendo que se pudesse voltar atrás viveria sozinha com as duas filhas, e o que mais ela quer hoje, é poder sair da prisão, e recomeçar a vida com sua filha Stella.

Stephanie e Christian estão presos desde janeiro de 2023, aguardando julgamento. Caso as outras partes queiram se manifestar, o espaço está aberto.