Por Fabiana Trad.
Campo Grande/MS, 8 de maio de 2025.
Neste domingo, celebra-se o dia das mães- data dedicada àquelas que nutrem, cuidam e fortalecem a vida.
Em breve, as redes sociais se encherão de homenagens, postagens emocionadas e declarações de amor. Pouco se fala, porém, das mães invisíveis.
Essas mulheres carregam um superpoder que ninguém gostaria de ter: o de resistir no esquecimento. Inexistem para a sociedade, são negligenciadas pelo Estado. São as mães encarceradas.
De março de 2023 a março de 2024, 81% das mulheres presas em Campo Grande declararam ser mães, segundo dados do Núcleo Criminal da Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul. Quem são essas mulheres? Como vivem?
Quase metade delas (44%) estava desempregada no momento da prisão. O crime mais recorrente? O tráfico de drogas, responsável por 41% das condenações.
A maioria, envolvida sob coação ou em desespero, subordinada a figuras masculinas tidas como “provedores”. Muitas vezes, são elas quem pagam com a liberdade por um sistema que as empurra para a marginalidade.
Não é preciso ser especialista em criminologia para enxergar essa realidade.
Basta ler a Lei de Execução Penal e observar como ela pouco fala das particularidades femininas.
Esquecem-se de que há pessoas presas que menstruam, engravidam, dão à luz e amamentam.
O livro ´´presos que menstruam´´, de Nana Queiroz, revela com crueza os impactos do cárcere sobre as mulheres e suas crianças. Em um dos relatos, a autora narra a primeira vez que a pequena Cássia saiu do presídio com a avó:
“Dez meses depois, finalmente, a direção do presídio resolveu colaborar para que ela entrasse em contato com os parentes. A pequena Cássia, então, conseguiu sair em seu primeiro passeio com a avó. Conheceu os irmãos, a família, parque e ruas. Ficou fora por uma semana inteira […].
A mãe, que não se aguentava mais de saudade, ficou boquiaberta com a filha que recebeu de volta. Agora, Cássia pede colo para as outras presas e carcereiras, aprendeu a bater palminha e sorri de maneira gratuita e espontânea. Aquela criança tímida e rígida estava socializada.”
A luta pelo reconhecimento dos direitos dessas mulheres e crianças levou o Supremo Tribunal Federal a julgar o Habeas Corpus nº 143.641/SP. A decisão garantiu a substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar para gestantes, puérperas e mães de crianças de até 12 anos sob sua responsabilidade, salvo em casos de crimes cometidos com violência ou grave ameaça. Posteriormente, esse entendimento foi incorporado à legislação, reafirmando o direito de a criança conviver com a mãe em ambiente minimamente adequado.
Essas medidas seguem o que o próprio STF reconheceu na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 347: o sistema prisional brasileiro vive um “estado de coisas inconstitucional” que viola sistematicamente os direitos fundamentais das pessoas presas, em especial das mulheres.
Em seu voto, o ministro Ricardo Lewandowski destacou a dramática realidade das gestantes e puérperas encarceradas, privadas de cuidados essenciais à sua saúde e à de seus filhos, durante os períodos mais delicados da maternidade.
A legislação avança, mas na prática, faltam estrutura, sensibilidade e vontade política para sua efetivação. A invisibilidade continua.
Ainda não há políticas públicas suficientes que levem em consideração as necessidades específicas da mulher encarcerada.
Neste dia das mães, é urgente lembrar daquelas que o olhar social insiste em apagar.
Apesar de invisibilizadas, também são mães- com corpos que gestaram, braços que acolhem à distância e corações que sangram em silêncio.
Têm filhos que sentem saudade, que crescem com ausências e memórias fragmentadas.
Têm amor, dor e história.
É preciso enxergá-las com a mesma empatia reservada às mães celebradas nas redes sociais. Porque ser mãe, no cárcere ou em liberdade, ainda é carregar o peso do mundo – e merecer ser vista.