Por redação.
Campo Grande/MS, 21 de outubro de 2024.
O site Garantista teve a honra de entrevistar o Doutor Aluizio Pereira dos Santos. Com experiência como Escrivão de Polícia na Delegacia Especializada de Ordem Política e Social (DEOPS/MS), Defensor Público por oito anos e Juiz de Direito da 2ª Vara do Tribunal do Júri desde 2005.
Autor do livro “A Tecnologia da Videoconferência nos Julgamentos do Tribunal do Júri”, possui uma sólida formação acadêmica, incluindo Pós-Graduação em Processo Civil pela PUC-Rio e Mestrado em Garantismo Penal pela Universidade de Girona, na Espanha. Além disso, atua como tutor na Escola Nacional de Formação de Juízes (Enfam) e é responsável por teses relevantes, como “A Verdadeira Igualdade na Distribuição de Processos entre Magistrados” e “A Prorrogação da Competência da Vara do Tribunal do Júri”, ambas aprovadas no XX Congresso Nacional de Magistrados e publicadas na Revista Enfam.
Dr. Aluizio é pioneiro na implementação de práticas inovadoras, como os “Júris Simultâneos”, além de ter realizado o primeiro júri digital por videoconferência no Brasil. Durante a entrevista, compartilhou suas reflexões sobre sua trajetória no Tribunal do Júri, discutindo suas experiências e opiniões sobre o cumprimento imediato da pena e proporcionando insights valiosos sobre o tema.
“O Garantista”: A recente decisão do Supremo Tribunal Federal em que o condenado pelo júri deve ser preso imediatamente é legítima ou enfraquece o tribunal do júri?
Dr. Aluizio Pereira dos Santos: No dia 12 de setembro do fluente ano o Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu, por maioria de votos, que condenados por júri popular podem ser presos para dar início ao cumprimento imediato da pena em face da soberania dos veredictos conforme Recurso Extraordinário (RE) 1235340, não violando o princípio da presunção de inocência.
Para tanto foi declarado inconstitucional parte do art. 492 do CPP ao suprimir condenações de penas “iguais ou superiores a 15 anos de reclusão”.
Na mesma linha, logo após, seguiu a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça ao negar liminar em Habeas Corpus de um condenado a 15 anos por homicídio qualificado que estava em liberdade justamente por liminar do próprio órgão.
Ao meu sentir a decisão do STF precisa melhor ser aclarada porque embora foram extirpadas do texto as condenações “iguais ou superiores a 15 anos de reclusão” persiste a dúvida “se presentes os requisitos da prisão preventiva” constante do texto.
Este foi o argumento de Gilmar Mendes seguido por Ricardo Lewandowski e Rosa Weber, os dois últimos aposentados.
Além do mais, o acordão abre frestas a outra dúvida, qual seja, se deve decretar a prisão em qualquer pena, pois da forma que o texto se encontra redigido permite concluir que condenados em crimes conexos, exemplo, ocultação de cadáver, também devem ser presos imediatamente ainda que no regime aberto.
Logo, sem embargo das dúvidas supra, mas se esse é o raciocínio do STF com repercussão geral e vinculante, que, aliás já foi encampado pelo STJ, espero que, doravante, haja norte a ser seguido pelos magistrados do país no sentido de decretar com segurança jurídica tais prisões, não tendo, portanto, fundamento a Corte Suprema, quiçá em futuro recente, modificar novamente o próprio entendimento, as revogando liminarmente.
Aliás, se isso ocorrer, afrouxará sobremaneira o recrudescimento penal e com certeza enfraquecerá as decisões do tribunal do júri como ocorreu com o princípio da presunção de inocência em nova interpretação da constituição pelo mesmo STF.
E para surpresa do novo entendimento os magistrados foram desautorizados a decretar as prisões porque referido órgão passou a entender diferente, exigindo novamente que se aguardasse o trânsito em julgado da sentença condenatória.
“O Garantista”: A falta de conhecimento técnico dos jurados é um impeditivo para alcançar decisões justas?
Dr. Aluizio Pereira dos Santos: A falta de conhecimento técnico dos jurados necessariamente não significa decisões injustas. Isto porque composto por cidadãos oriundos de vários seguimentos da sociedade enfrentam questões deste jaez no dia-a-dia. Assim, para ser Juiz leigo basta fazer juízo de valor sobre determinado fato, inclusive, deparam-se com situações em que expressam suas opiniões por exemplo, nas corrupções dos agentes públicos, de autores de assassinatos, roubos, sequestros, estupros, etc, noticiados com frequência nos jornais, etc.
Logo, qualquer pessoa de mediana capacidade intelectiva tem condições de discernir o certo do errado, o justo do injusto e assim sucessivamente conforme os valores da sociedade em que vive, não obstante os argumentos, às vezes, sedutores ou apelativos da acusação ou defesa.
“O Garantista”: O uso excessivo da tecnologia no tribunal do júri deve ser visto com reservas?
Dr. Aluizio Pereira dos Santos: O uso, ainda que excessivo da tecnologia, sempre é bem vindo para melhor esclarecimento aos jurados, aliás, no estágio de evolução social que vivemos têm o domínio de suas ferramentas.
Importante pontuar que em Campo Grande, MS, um dos requisitos para ser jurado é ter noções básicas de informática conforme exigido no momento da inscrição.
Neste diapasão importante relembrar que no ano de 2008 introduzi os julgamentos simultâneos no tribunal do júri com uso da tecnologia e, à época, era incipiente de tal sorte que se esperava resistência dos Operadores do Direito como de fato a OAB, instigada, postulou junto ao TJ/MS e no CNJ a paralização destes tipos de júris por considerá-los que feria direitos e garantias individuais dos acusados.
No julgamento do TJ/MS e, posteriormente, os Conselheiros do CNJ decidiram o Pedido de providências n. 2008.10.00.002640-7 – Relator Técio Lins e Silva – por um voto a meu favor, permitindo continuar com a tecnologia, cuja ementa está vazada nos seguintes termos:
“EMENTA: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. OAB/MS. CONSULTA. JÚRI SIMULTÂNEO. LEGALIDADE. CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NORMAS INFRACONSTITUCIOAIS. EXCEPCIONALIDADE. A prática do júri simultâneo, como descrito neste caso concreto, não é imposta aos réus nem à defesa nem ao Ministério Público. O devido processo legal é respeitado in totum, desde a elaboração da pauta, onde àqueles que não quiserem participar da prática é possibilitada a retirada do seu processo, e mesmo ao final dos debates, quando é perguntado às partes se sofreram prejuízo, hipótese que torna possível a dissolução do Conselho de Sentença antes da votação e a marcação de nova pauta para realização desse julgamento exclusivo. Assim, e desde que inexistente qualquer prejuízo para as partes, não se vislumbra óbice administrativo que impeça o Juízo requerido em manter a prática de sua nova metodologia, a permitir uma pauta de julgamento em dia, e o respeito ao direito constitucional conferido ao jurisdicionado, em receber do Estado um julgamento em prazo razoável. Consulta que se conhece e se responde no sentido de que seja assegurada às partes o direito de escolha, somente permitida tal prática se a defesa, o Ministério Público e seu assistente, se houver, estiverem todos de acordo, para que não haja nenhum prejuízo que possa ser alegado. A presença do Juiz Presidente deve ser assegurada como neste caso, dada a existência de plenários contíguos e a transmissão ao vivo com vídeo e áudio para as duas salas. Decisão tomada por maioria de votos”.
Desde então, 2008, o uso da ferramenta veio se incorporando no tribunal do júri a ponto de em 2011 noutra proeza implantar os “júris digitais” e dois anos após, 2014, o primeiro julgamento por videoconferência no paísi, todas tidos como pioneiros no Brasilii.
O tempo se encarregou de fazer justiça aos recalcitrantes na medida em que a tecnologia foi consolidada efetivamente no tribunal do júri cujas práticas remontavam à era do “Brasil-carroça”. A melhor prova reside no fato de que em 2020 a pandemia da covid-19 forçou o mundo a fechar as portas sendo proibidas quaisquer aglomerações públicas, fóruns trancados, cancelados os julgamentos populares, etc, obrigando o CNJ que também boa parte era avessa às essas proezas a aceitar a videoconferência e hoje é prática processual trivial.
“O Garantista”: Qual dos júris que presidiu mais o emocionou?
Dr. Aluizio Pereira dos Santos: Todos os julgamentos, infelizmente, trazem um drama enorme por envolver violência contra o ser humano, muitas vezes tisnados pela futilidade, torpeza ou crueldade. Então, poderia citar muitos crimes hediondos nos 20 anos que atuo na 2ª vara do Tribunal do Júri nesta capital. Assim, melhor afinando a resposta à pergunta, lembro do assassinato de uma criança de 10 anos de idade, L. E. M. G, conhecido “Caso Dudu”, que foi considerada desaparecida por anos e graças à perspicácia da polícia civil descobriu que, em verdade, foi espancada com socos, pontapés e golpes de instrumentos contundentes até a morte, sendo queimada e enterrada, cujos restos mortais encontrados em deterioração, inclusive, os ossos. Os algozes foram condenados, um deles o padrasto, a 25 anos de reclusão. A tragédia pelo menos trouxe aos pais o acalento de ser aprovada uma lei municipal destinando determinada área a lazer no bairro Aero Rancho desta capital gravada com o nome do infante, onde aquele inocente vivia e brincava com os amigosiii.´´
“O garantista”: Se fosse legislador o que mudaria no tribunal do júri?
Dr. Aluizio Pereira dos Santos: Eliminaria o recurso em sentido estrito da pronúncia previsto no art. 581 inc. VI do CPP. Isto porque na sentença se faz apenas juízo de admissibilidade da acusação no tocante à materialidade e indícios suficientes de autoria mormente quando são questões incontroversas pelas partes. Eventuais nulidades ou injustiça da condenação seriam apreciadas com a apelação.
Com isto avançaria aos julgamentos e evitaria de os algozes dos homicídios, feminicídios, etc., serem soltos por excesso de prazo ou nunca serem julgados, inclusive, dar-se-ia uma prestação jurisdicional no prazo razoável também aos familiares das vítimas, algo que infelizmente o Brasil carece.