Campo Grande, 11 de março de 2024
Para advogado, sistema prisional ‘é faculdade do crime’
Por: Angélica Colman
Segundo dados da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen), obtidos pelo Jornal Estadão, Mato Grosso do Sul tem duas facções nacionais e quatro regionais atuando nos presídios do Estado.
As maiores, que dominam os detentos de Mato Grosso do Sul, são o Comando Vermelho e Primeiro Comando da Capital.
Os Mano (Rio Grande do Sul), Primeiro Grupo Catarinense (Santa Catarina), Sindicato do Crime (Rio Grande do Norte) e Bonde do Maluco (Bahia), são as outras facções, que surgiram com a chegada de quem é ligado a elas ao Estado, e ao serem presos, dizem representar essas facções.
Para o Desembargador Ruy Celso Florence, há anos que o sistema penitenciário de Mato Grosso do Sul mantém acordo com o congênere do Estado de São Paulo para o encaminhamento de presos nas duas direções. Muitas vezes, os presos pertencentes a organizações criminosas, inclusive alguns líderes, transferidos para Mato Grosso do Sul, antigamente, até muito mais que hoje, mas a prática ainda existe rotineiramente.
“Sabe-se que a maior facção criminosa do Brasil, o PCC, nasceu na capital de São Paulo, e lá ainda mantém seu núcleo de comando. Consequência desta prática de transferências, os presídios sul-mato-grossenses foram sendo inundados por faccionados, especialmente do PCC, cuja organização cresce a cada dia”, comenta Ruy.
Conforme o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o país tem 683 mil detentos nas prisões, em celas estaduais e nas cinco unidades mantidas pela União. A fuga inédita na Penitenciária Federal de Mossoró/RN, mostra a deficiência dos sistemas carcerários.
Ruy diz ainda, que o fator atual que mais contribui para esse crescimento é o encarceramento desmedido, e muitas vezes, na opinião do Desembargador, desnecessário, de réus primários, sem nenhuma periculosidade aparente, e sem imputação de crimes violentos que, quando presos, se tornam vítimas fáceis das facções criminosas existentes dentro dos presídios.
Esses encarcerados se filiam e se integram a alguma organização, sob pena de sofrerem todos os tipos de represálias, inclusive contra a família que está fora do cárcere. “Cada vez que se prende alguém sem necessidade, está-se alistando de forma gratuita e irresponsável, mais um membro para alguma facção, e com ele, muito provavelmente, a sua família, que se torna refém do esquema criminoso”, explica Ruy.
Ainda segundo o Desembargador, um dos caminhos para diminuir esse crescimento desenfreado dessas organizações, dentro e fora dos presídios, consiste em diminuir o quanto possível o encarceramento, substituindo-o de forma inteligente, por medidas alternativas a prisão, seja ela cautelar ou definitivas. “Nada vai mudar se permanecer a insanidade de fazer mais do mesmo, esperando cerebrinamente, resultado diferente”, finaliza o desembargador.
Conforme os dados da Senappen, os presídios do país são “escritórios do crime” de onde líderes traçam planos e enviam ordens para as ruas. E, com o controle falho pelo poder público e em condição precária, os presídios são espaços onde as facções criminosas crescem.
O relatório obtido pelo Estadão cita cinco medidas para reduzir a força das facções nos presídios. A primeira seria ampliar a capacidade do sistema. Dados do CNJ dão o tamanho do desafio: o deficit é de cerca de 191 mil vagas.
Além disso, recomenda criar um procedimento-padrão dentro das prisões; fiscalização de presos no semiaberto e aberto por meio de monitoramento eletrônico; oferta de trabalho e educação e integração das forças policiais para combate ao crime organizado.
Para o advogado William Maksoud Machado, o aumento das facções é visto com preocupação.
“Vejo com preocupação o avanço das facções. Mais preocupante é o super encarceramento, que de fato favorece o crescimento e fortalecimento faccional. Temos no código penal alternativas, especialmente com relação a crimes leves, para que se evite o encarceramento. Não é clichê dizer que sistema prisional, na versão que se posta hoje, é a faculdade do crime”, finaliza Maksoud.