Campo Grande/MS, 20 de agosto de 2024.
A forma como o Superior Tribunal de Justiça decidiu tratar o estabelecimento do marco temporal para a contagem da progressão do regime de cumprimento de pena, além de conter uma contradição interna, deve estender o encarceramento no Brasil.
Há apenas dois momentos para mudança de regime durante o cumprimento da pena: do fechado (encarceramento total) para o semiaberto (o preso é autorizado a deixar a prisão para trabalhar); e do semiaberto para o aberto (em casa de albergado ou na própria casa).
— Requisito objetivo: que o preso tenha cumprido um tempo mínimo de pena, que varia de acordo com o tipo de crime e o histórico criminal;
— Requisito subjetivo: que o preso tenha bom comportamento, comprovado pelo diretor do estabelecimento prisional, e resultado favorável no exame criminológico.
Na última quarta-feira (14/8), a 3ª Seção do STJ fixou tese vinculante no sentido de que a contagem do tempo mínimo para a progressão de pena começa quando o último requisito é preenchido. Com isso, o colegiado afastou a ideia de que o marco temporal seria a data da decisão do juiz que concede a progressão de regime.
sso porque a decisão tem natureza declaratória e não constitutiva — ela apenas declara uma realidade que já existia a partir do momento em que ambos os requisitos foram preenchidos.
Nesse cenário, o marco para a progressão será o requisito subjetivo, já que a praxe é só avaliar o comportamento do preso quando o tempo mínimo para a progressão tiver sido alcançado.
E, na maioria dos casos, o marco será o exame criminológico, que se tornou obrigatório para a progressão de todos os presos desde a entrada em vigor da Lei 14.843/2024. Por se tratar de um procedimento complexo e, em tese, mais demorado do que a mera declaração do diretor do presídio sobre o preso, o exame deverá ser sempre o último requisito preenchido.
sso gera um problema porque a jurisprudência do STJ entende que, havendo pedido de exame criminológico, a data para calcular a nova progressão de pena é o dia do parecer técnico favorável. Nesse caso, o STJ considera que o laudo produzido no exame tem natureza constitutiva e não declaratória.
Aí reside a contradição, uma vez que o exame criminológico consiste em uma perícia em que uma equipe de especialistas declara que o preso tem condições de começar a ser reinserido na sociedade.
Essa contradição foi debatida no julgamento da 3ª Seção. O defensor público por São Paulo Rafael Muneratti disse na sustentação oral que o laudo criminológico não cria o requisito subjetivo, apenas atesta sua existência.
Por isso, pediu que o colegiado mudasse a jurisprudência para considerar que esse requisito é atendido na data em que o juiz pede a produção do exame.
Esse ponto é sensível porque o Brasil não está preparado ou equipado para examinar criminologicamente todas as pessoas que se habilitarão a progredir de regime.
Em São Paulo, segundo Muneratti, a espera pelo exame varia de quatro a seis meses. Pela jurisprudência atual, trata-se de período que não contará para a progressão para o regime posterior.
Um estudo do Conselho Nacional de Justiça estima que a exigência do criminológico tem potencial para, em 12 meses, impedir que 283 mil pessoas progridam regularmente de regime.
As consequências dessa extensão do encarceramento serão um custo adicional de R$ 6 bilhões por ano para os cofres públicos e uma piora drástica do déficit de vagas nos presídios, que pode triplicar.
Três dos nove ministros habilitados a votar no julgamento se sensibilizaram com as alegações da Defensoria Pública.
O desembargador convocado Otávio Almeida de Toledo destacou que o cumprimento do requisito subjetivo vai ficar ao sabor da rapidez com que será feito o exame atestando que o preso tem condições de reinserção social. “Ele já tinha cumprido tudo que veio atestado”, alertou Toledo.
A ministra Daniela Teixeira também votou por atender ao pedido dos defensores, destacando que, se o teste atrasar a progressão de 283 mil pessoas, o STJ receberá 283 mil Habeas Corpus avisando que há pessoas que poderiam progredir, mas aguardam o exame.
Por isso, segundo ela, seria o caso de considerar como marco temporal a data em que o juiz pede o exame. “Esse atraso no criminológico vai prejudicar todo o sistema”, disse Daniela.
“Sempre haverá possibilidade de pegar esse preso e revertermos onde ele está para onde estava antes. O que não é possível é voltar a vida desse preso anos depois que ele ficou injustamente preso”, acrescentou a magistrada.
“Se temos alguém que passa por avaliação, não podemos entender que a demora do Poder Executivo em declarar que aquela pessoa tem bom comportamento e está preparada para o retorno ao convívio possa vincular o Judiciário na avaliação de algo que já existia.”
Para Schietti, o STJ acabou por validar uma política encarceradora. “É uma situação que vai se agravar sobremodo, com tensão crescente, e isso vai se refletir no Judiciário e na sociedade como um todo.”
A posição vencedora não invadiu a discussão sobre essa questão, limitando-se a dizer que o marco temporal da progressão é mesmo a data em que é alcançado o último requisito.
“Pode realmente haver excesso de prazo na confecção do laudo criminológico ou do atestado. Pode-se inclusive configurar constrangimento ilegal, que seria reparável por Habeas Corpus. Mas entendo que não há interferência na tese”, disse Jesuíno Rissato.
REsp 1.972.187
REsp 1.973.105
REsp 1.973.589
REsp 1.976.197
REsp 1.976.210
Fonte: https://www.conjur.com.br/2024-ago-20/contraditoria-jurisprudencia-do-marco-da-progressao-deve-aumentar-o-encarceramento-no-pais/