Confissão de traficância em ANPP não pode impedir a aplicação do tráfico privilegiado

Campo Grande, 08 de abril de 2024

Para Daniela Teixeira, a confissão prestada em ANPP não pode ser utilizada para demonstrar dedicação criminosa em outro processo

Em São Paulo, um homem confessou a prática de tráfico de drogas para celebrar um acordo de não persecução penal. Posteriormente, foi preso novamente pelo mesmo delito. A defesa postulou a aplicação do tráfico privilegiado, mas juiz e tribunal indeferiram o pedido com base na existência de confissão da traficância na celebração do ANPP. Resultado: condenação a 5 anos de reclusão.

A defesa, irresignada, impetrou habeas corpus perante o STJ. Na peça, pontuou que o acordo de não persecução não acarreta a caracterização de reincidência ou maus antecedentes e que a confissão, por ser requisito obrigatório para a sua celebração, afastaria a “natureza de declaração livre e espontânea, tornando inapropriada sua utilização como indício de conduta criminosa”.

A ministra Daniela, sorteada relatora, concordou.

“Conforme apontado pelo próprio Tribunal de origem, o paciente é tecnicamente primário e não possui maus antecedentes”, ressaltou a ministra.

“Quanto ao fato de ele ter confessado a traficância em momento anterior, para, assim, ser beneficiado com a formalização de um acordo de não persecução penal, igualmente não pode figurar como óbice ao reconhecimento do tráfico privilegiado”, concluiu Teixeira ao conceder a ordem para reconhecer a incidência do tráfico privilegiado.

O problema da confissão no ANPP

Esse é um dos inúmeros problemas relacionados à obrigatoriedade de confissão para celebração do acordo de não persecução penal que a jurisprudência ainda precisará enfrentar.

No Supremo, as duas Turmas já assentaram que a ausência de confissão durante a fase inquisitorial não impede a celebração do acordo, já que ela pode ser prestada ao Ministério Público no momento da negociação (vide RE 1456264 AgR, Rel. Min. Cristiano Zanin; RHC 213.118 AgR e RHC 214120 AgR, ambos de relatoria do Min. André Mendonça; HC 205.816, Rel. Min. Gilmar Mendes; HC 215.539, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, dentre outros).

No STJ também há precedente nesse mesmo sentido. No Recurso Especial 2068891, por exemplo, a 6ª Turma ressaltou que “a exigência de que a confissão ocorra no inquérito para que o Ministério Público ofereça o acordo de não persecução penal traz, ainda, alguns inconvenientes que evidenciam a impossibilidade de se obrigar que ela aconteça necessariamente naquele momento”.

Da mesma forma, a 5ª Turma o Recurso em Habeas Corpus 155.773.

Em artigo¹ publicado recentemente na Revista Brasileira de Direito Processual Penal, o ministro Rogério Schietti também abordou o tema.

Na oportunidade, ele ponderou que “caso o indiciado tenha deixado de confessar em sede policial, quando não vigente a possibilidade de celebração do ANPP, caberá ao Ministério Público, ao final do inquérito policial, oportunizar a confissão
para fins de celebração do acordo’‘.

Como bem ressaltado pelo ministro no mencionado artigo, por enquanto STJ e STF ainda não se debruçaram sobre a possibilidade (ou não) de aproveitamento da confissão em caso de rescisão do acordo de não persecução penal ou mesmo para a aferição de dedicação criminosa em outros processos.

Mas esse momento certamente chegará.

Número do Habeas Corpus concedido pela ministra Daniela Teixeira: 895165.