Compromisso do Brasil com Itália permite transferir execução de pena de brasileiro

Campo Grande, 21 de março de 2024

Caso Robinho foi julgado pela Corte Especial do STJ

Os acordos que sustentam os compromissos internacionais entre Brasil e Itália e a entrada em vigor da Lei de Migração, em 2017, permitem que um brasileiro seja obrigado a cumprir no país a pena por uma condenação criminal fixada na nação europeia.

Com essa conclusão, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça homologou a sentença estrangeira que condenou o ex-jogador de futebol Robinho à pena de nove anos de prisão por estupro coletivo cometido na Itália, em 2013.

O colegiado ainda decidiu, por maioria de votos, que a pena poderá ser imediatamente executada. A Corte Especial mandou oficiar o juízo federal da subseção de Santos (SP) para que dê imediato cumprimento à ordem.

Robinho será preso e cumprirá pena em regime inicial fechado, conforme deliberou o STJ. Existe a possibilidade de a defesa tentar evitar a prisão por meio de pedido em Habeas Corpus.

O ex-jogador nunca chegou a ser preso porque, quando a sentença condenatória foi confirmada no país europeu, em 2017, ele já estava no Brasil, país que não extradita seus cidadãos natos.
A homologação da sentença italiana foi proposta pelo relator da matéria, ministro Francisco Falcão, que foi acompanhado pelos ministros Humberto Martins, Herman Benjamin, Luis Felipe Salomão, Mauro Campbell, Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira, Ricardo Villas Bôas Cueva e Sebastião Reis Júnior.

Abriu a divergência o ministro Raul Araújo, para quem a homologação é impossível nesse caso. Votou com ele o ministro Benedito Gonçalves.

Tratados por analogia

É a primeira vez que o Brasil obriga um brasileiro nato a cumprir pena no país por uma sentença italiana. Só é comum a homologação nos casos em que o pedido de transferência de pena é feito por Portugal, com quem o Brasil tem promessa de reciprocidade.

Para a defesa de Robinho, feita pelo advogado José Eduardo Rangel de Alckmin, o pedido feito pela República da Itália é inconstitucional, não se justifica por qualquer lei ou tratado internacional e ainda ofende a soberania brasileira.

O ministro Francisco Falcão refutou todos esses pontos. Em sua análise, a transferência da execução penal é um instituto processual de cooperação internacional previsto em diversos tratados dos quais o Brasil é signatário.

Com a Itália, especificamente, essa não é uma previsão expressa em nenhum deles. Há um tratado bilateral de extradição, que em teoria não atinge o caso Robinho, pois é brasileiro e não pode ser extraditado.

Já o Tratado Bilateral sobre Cooperação Judiciária em Matéria Penal (MLAT) diz que a cooperação entre os países “não compreenderá a execução de medidas restritivas da liberdade pessoal, nem a execução de condenações”.

Para Falcão, no entanto, os acordos firmados por Brasil e Itália envolvem também outros tratados internacionais multilaterais dos quais os dois países são signatários e que, igualmente, autorizam a transferência da execução da pena.

Ele citou a Convenção de Viena (sobre crime de tráfico de entorpecentes), a Convenção de Palermo (sobre organizações criminais transnacionais) e o Tratado de Mérida (sobre crimes de corrupção).

Segundo o relator, ainda que esses acordos não tratem do crime de estupro, podem ser aplicados por analogia, conforme autoriza o artigo 3º do Código de Processo Penal. “Observa-se que a transferência de execução da pena faz parte do regime de cooperação internacional entre Brasil e Itália.”

Lei de Migração e consequências

Ainda segundo o ministro Francisco Falcão, todo esse cenário é reforçado pela Lei de Migração, que no artigo 100, parágrafo único, inciso I, autoriza a transferência da execução da pena quando o condenado no estrangeiro for brasileiro.

Essa norma entrou em vigor em 2017, quatro anos depois dos fatos julgados pela Justiça italiana, que ocorreram em 2013. Ainda assim, a maioria no STJ entendeu que ela é plenamente aplicável, por se tratar de norma processual.

O relator também destacou que a homologação da sentença estrangeira é o único meio de evitar a impunidade de Robinho pelo crime cometido.

Isso porque, uma vez processado na Itália, ele não responde a ação pelos mesmos fatos no Brasil, conforme jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

O voto vencedor termina ressaltando que recusar a homologação da sentença significaria ultrajar a dignidade da vítima pela segunda vez. Para Falcão, a decisão acaba por efetivar a cooperação internacional entre os países.

“A negativa do pedido italiano pode gerar uma grave crise de relação diplomática entre os dois países, já que não haverá a execução do programa de cooperação. Haverá, inclusive, o descrédito do Judiciário perante a comunidade nacional e internacional”, disse.

Não é bem assim

Abriu a divergência o ministro Raul Araújo, que enumerou diversos óbices para a homologação da sentença.

Ele destacou que, no momento da ocorrência do crime e até a entrada em vigor da Lei de Migração, a única norma vigente sobre o tema era o rtigo 9º do Código Penal, que determina que a homologação de sentença estrangeira se restringe aos casos em que há a necessidade de reparação civil do dano causado ou cumprimento de medidas de segurança.

Além disso, defendeu a inaplicabilidade da Lei de Migração por dois motivos. Primeiro porque a cabeça (caput) do artigo 100 diz que é possível solicitar a transferência da execução da pena nas hipóteses em que couber solicitação da extradição, algo impossível no caso de Robinho.

Assim, ainda que o parágrafo único admita a transferência de execução da pena para o condenado brasileiro, não seria possível fazê-lo, em contradição à cabeça do artigo.

Também pontuou que aplicar por analogia outros tratados internacionais que não versem sobre o crime de estupro retiraria uma das exigências da Lei de Migração para a transferência da execução da pena.

Ela está no inciso V: essa transferência só será possível se houver tratado ou promessa de reciprocidade.

“Se um tratado multilateral sobre um crime especifico puder ser considerado para atender ao requisito da transferência da pena em hipótese de crime distinto, a exigência legal tende ao vazio”, justificou.

Por fim, o ministro Raul Araújo defendeu a irretroatividade da Lei de Migração. Isso porque ela é mais do que mera norma processual, ao prever o aumento da capacidade estatal de punir alguém. Logo, não poderia retroagir em prejuízo do réu.

Execução imediata

A ordem do relator para a execução imediata da condenação mereceu um capítulo à parte na discussão na Corte Especial.

O ministro Sebastião Reis Júnior se opôs por dois motivos. Primeiro porque não caberia ao STJ, mas ao juiz da execução penal, fixar regime inicial de cumprimento de pena.

O regime fechado foi o escolhido pelo relator porque, no Brasil, condenações acima da marca de oito anos são, em regra, alvo de prisão para a execuçação da pena.

O ministro Sebastião também se opôs à ordem para oficiar a subseção judiciária de Santos para cumprir a decisão. Para ele, seria necessário aguardar o trânsito em julgado do processo de homologação.

Diante da discussão, o ministro Raul Araújo foi ainda além: destacou que não cabe ao STJ substituir a parte ao determinar a execução da sentença estrangeira, o que desbordaria, inclusive, da competência constitucional atribuída ao tribunal.

“Nossa competência é para homologar a sentença. Não é para dar execução. Nunca demos execução a uma sentença estrangeira que homologamos. O objetivo do processo de homologação é tão somente que passe a ter validade, para que a parte interessada na homologação vá então ao juízo da execução promover o cumprimento da decisão estrangeira”, disse.

A maioria, no entanto, concluiu que seria melhor dar a resposta a essas questões já na Corte Especial.

“Quando se exige o trânsito em julgado da sentença para o cumprimento da pena, não estamos falando da sentença que homologa a decisão, mas, sim, da própria sentença estrangeira. Em razão disso, é preciso não deixar que isso saia do STJ sem o devido direcionamento quanto ao regime inicial”, pontuou o ministro Luis Felipe Salomão.

Veja como votaram os ministros

Sobre a homologação

  • Pela homologação: Francisco Falcão (relator), Humberto Martins, Herman Benjamin, Luis Felipe Salomão, Mauro Campbell, Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira, Ricardo Villas Bôas Cueva, Sebastião Reis.
  • Contra a homologação: Raul Araújo e Benedito Gonçalves.

Sobre a execução imediata da pena

  • Pela execução imediata em regime fechado: Francisco Falcão (relator), Humberto Martins, Herman Benjamin, Luis Felipe Salomão, Benedito Gonçalves e Ricardo Villas Bôas Cueva.
  • Para aguardar o trânsito em julgado do HDE no STJ: Mauro Campbell, Isabel Gallotti e Antonio Carlos Ferreira.
  • Para aguardar o trânsito em julgado e contra a definição de regime de pena: Sebastião Reis Júnior.
  • Pela inviabilidade de qualquer análise nesse ponto: Raul Araújo.

HDE 7.986

Fonte: Consultor Jurídico

Foto: Rafael Luz/STJ