Campo Grande, 23 de maio de 2024
STJ anulou a colaboração de um advogado, bem como as provas e as denúncias dela decorrentes
É inadmissível a prova proveniente de acordo de colaboração premiada firmado com violação do sigilo profissional de advogado. Com esse entendimento, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça anulou a colaboração de um advogado, bem como as provas e as denúncias dela decorrentes, em ação penal contra uma empresa de transportes coletivos para a qual ele trabalhava.
Segundo o processo, a empresa foi alvo de investigação do Ministério Público do Paraná, instaurada com o objetivo de apurar a existência de associação criminosa formada para fraudar licitações de concessão do serviço público de transporte no estado.
Foram adicionados à denúncia os nomes de dois ex-administradores da empresa, os quais recorreram ao STJ para anular a colaboração do advogado.
Para o relator do caso, ministro Sebastião Reis Junior, o advogado não poderia ter quebrado o seu sigilo profissional. “Esse ônus do advogado não pode ser superado mesmo quando investigado, sob pena de se colocar em fragilidade o amplo direito de defesa”, ponderou.
O ministro explicou que, atualmente, o Supremo Tribunal Federal admite a possibilidade de terceiros, como os delatados, questionarem a validade do acordo de colaboração premiada. Para o ministro, ainda que haja precedentes em sentido contrário, não há razão para não permitir que os delatados questionem a legitimidade desse tipo de acordo.
“A partir do momento em que sua esfera jurídica foi afetada pelo teor da delação, é evidente a sua legitimidade para questionar esse acordo, que, de forma negativa, afeta direitos seus”, disse o ministro. Ele acrescentou que, uma vez constatada a ilegalidade do acordo, as provas decorrentes devem ser invalidadas.
Sigilo profissional
Segundo o relator, a quebra do sigilo profissional do advogado para atenuar a sua própria pena, em processo no qual ele e o cliente figuram como investigados, não está autorizada pelo Código de Ética da Advocacia.
Sebastião Reis Junior destacou que o artigo 25 admite essa possibilidade apenas em caso de grave ameaça ao direito à vida, à honra, ou quando o advogado for afrontado pelo cliente e, em defesa própria, tenha que revelar segredo — porém, sempre restrito ao interesse da causa.
A confissão de um crime, alertou o ministro, com a indicação das informações previstas no artigo 4º da Lei 1.2850/2013, não se inclui entre essas hipóteses.
“Ao delatar, o advogado que oferece informações obtidas exclusivamente em razão de sua atuação profissional não está defendendo sua vida ou a de terceiros; nem sua honra (afinal, confessa não só um crime como a sua participação em organização criminosa); nem está agindo em razão de afronta do próprio cliente (ao contrário), nem em defesa própria (não está usando as informações sigilosas para se defender, para provar sua inocência em razão de acusação sofrida, mas sim para atenuar sua pena)”, afirmou.
O ministro lembrou decisão recente da 5ª Turma que, em caso semelhante, entendeu pela ilegalidade da conduta de um advogado que, mesmo sem ser alvo de investigação, delatou a empresa para a qual prestou serviços.
Naquele julgamento, o relator, ministro João Otávio de Noronha, ressaltou que “o sigilo profissional do advogado é premissa fundamental para o exercício efetivo do direito de defesa e para a relação de confiança entre defensor técnico e cliente”.
Voto vencido
O ministro Rogerio Schietti Cruz, que ficou vencido no julgamento, apresentou voto divergente em que afirmou que é necessário dividir a conduta do colaborador em dois momentos: o primeiro abrange o período entre sua contratação e os fatos descritos na acusação, no qual não há notícia de atuação antiética ou delituosa; e o segundo abrange o período descrito na denúncia, no qual teria havido sua incorporação à organização criminosa para dar aparência de legalidade aos procedimentos jurídicos entabulados na contratação.
“Nessa perspectiva, penso que a proteção do sigilo profissional não alcança o período descrito na denúncia, em que haveria a participação ativa do insurgente (o advogado) na suposta organização criminosa”, disse.
Na sua avaliação, o sigilo de algumas profissões “não pode servir de escudo para acobertar a prática de crimes por profissionais que detenham esse dever, impedindo-os de confessar, delatar ou mesmo colaborar com o Estado para revelar o cenário criminoso de que não apenas tiveram conhecimento, mas também efetivamente participaram”.
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RHC 179.805
Fonte: STJ
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