Candidaturas minadas? A (in)elegibilidade pela rejeição de contas públicas

Por Eduardo Correia Pracz.

Campo Grande/MS, 30 de julho de 2024.

Recentemente, o Tribunal de Contas do Mato Grosso do Sul divulgou a lista de agentes públicos que tiveram suas contas reprovadas pela corte. A imprensa regional tem feito ampla divulgação deste fato e especulado a possibilidade de inelegibilidade dos pré-candidatos mencionados, minando inclusive a candidatura de um dos principais concorrentes à prefeitura de Campo Grande – MS.

A grande questão gira em torno da (im)possibilidade de tornar inelegível um candidato pela respectiva circunstância.

A Lei Complementar de n.64/90, traz o rol daquelas pessoas inelegíveis para qualquer cargo eletivo. Dentro das hipóteses previstas, existem aquelas plenamente objetivas, ou seja, que não ensejam discussão. A título de exemplo temos aqueles que foram condenados criminalmente por órgão judicial colegiado por crimes indicados pela lei.

A inelegibilidade por exemplo do presidente Lula, no ano de 2018, se deu por conta de sua condenação na operação lava jato, tal qual havia sido confirmada por um órgão colegiado, o TRF-3¹.

Neste caso, a Justiça Eleitoral não avaliou a pertinência ou qualquer outro aspecto da condenação, a mera verificação de que existia a condenação, confirmada pelo TRF, serviu para impedir a candidatura do atual mandatário da república. Diferente é o caso da causa de inelegibilidade que está tornando duvidosa a plausibilidade jurídica das candidaturas dos agentes públicos que tiveram suas contas desaprovadas pelo Tribunal de Contas.

A circunstância em questão é a que está prevista no art.1º, inciso I, alínea g), da LC de n.64/90, tal qual torna inelegível aqueles que: tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição.

Ocorre que essa causa de inelegibilidade não é tão objetiva e enseja algumas discussões que deverão ser travadas no âmbito da Justiça Eleitoral.

Isso porque a mera desaprovação de contas pelo órgão competente, isto é o TCE, não enseja a inelegibilidade de modo automático, também é necessário a demonstração da existência de ato doloso de improbidade administrativa.

A Lei de improbidade (Lei de n.8429/92) define como ato doloso aquele em que o agente tem uma vontade livre e voluntária para cometer o ilícito. Ou seja, quando ele possui a intenção de cometer a improbidade. E, em linhas gerais, a improbidade administrativa consiste na obtenção de alguma vantagem patrimonial indevida em razão do cargo.

Portanto, existe uma análise subjetiva que deverá ser realizada pelo juízo eleitoral, no sentido de verificar se os atos que ensejaram a desaprovação de contas, foram atos em que os candidatos deliberadamente intencionavam uma vantagem patrimonial ilícita.

Válido destacar que o Tribunal Superior Eleitoral, ainda tem amadurecido a jurisprudência da Corte no tocante à matéria, tendo em vista a alteração substancial da lei de improbidade no ano de 2021, ou seja, a Corte só proferiu entendimentos em consonância com a referida legislação nas eleições de 2022.

Já foi possível no entanto, verificar os seguintes entendimentos:

“Configura ato doloso de improbidade administrativa previsto no art. 10 da Lei n. 8.429/1992, com as alterações conferidas pela Lei n. 14.230/2021, a deliberada omissão do dever de recolher contribuições previdenciárias ao INSS (RO-El nº 060093654 Acórdão CURITIBA – PR Relator(a): Min. Cármen Lúcia Julgamento: 09/02/2023 Publicação: 27/02/2023)”.


“ (…) 2. O advento da Lei n. 14.230/2021 alterou o panorama de incidência da inelegibilidade por desaprovação de contas públicas, passando a ser exigido o dolo específico, em superação ao dolo genérico (RO n. 0601046–26/PE, redator para o acórdão o Ministro Ricardo Lewandowski, PSESS em 10.11.2022) 3. A rejeição do ajuste contábil em tomada de contas especial, diante da omissão do dever de prestar contas, com a imputação de débito e multa, porquanto não comprovada a execução do objeto de convênio, notadamente por descumprimento do núcleo da avença, e não meramente das obrigações marginais, revela conduta consciente e direcionada do gestor e preenche os requisitos da inelegibilidade prevista no art. 1º, I, g, da LC n. 64/90, inclusive no que tange à sua conformação com a prática, em tese, de ato de improbidade administrativa mediante dolo específico. (Recurso Ordinário Eleitoral – 060076575/SC, Relator(a) Min. Carlos Horbach, Acórdão de 22/11/2022, Publicado no(a) Publicado na Sessão 607, data 22/11/2022).”

Com efeito, as eleições ainda não iniciaram, mas a batalha inicial dos candidatos mencionados na listas, terá certamente como palco inicial o Fórum e o Tribunal Regional Eleitoral que deverão avaliar se existiu “dolo” de improbidade nas condutas que ensejaram a desaprovação de contas públicas para avaliar a manutenção da candidatura.

 

¹ Ainda que seja fato público e notório, é necessário destacar que as condenações do atual
presidente foram anuladas pelo Supremo Tribunal Federal, o que permitiu sua candidatura no pleito eleitoral de 2022.