Assassino confesso de crime diz que homem preso há 14 anos é inocente

ONG “Innocence Project” pede soltura

 A ONG “Innocence Project”, que se dedica a comprovar casos de erros judiciários em processos já encerrados em vários países, pediu nesta quinta-feira (1º ) ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) a liberdade de um dos condenados pelo assassinato de três pessoas em uma cobertura na quadra 113 Sul, em Brasília, em 2009.
No crime, que chocou Brasília, e que completará 15 anos em agosto, foram mortos com mais de 70 facadas o ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) José Guilherme Villela, a mulher dele, Maria Carvalho Villela, e a empregada do casal, Francisca Nascimento da Silva.
Três homens foram condenados pelo Tribunal do Júri e cumprem pena pela execução dos assassinatos: um ex-porteiro do prédio, Leonardo Campos Alves, o sobrinho dele, Paulo Cardoso Santana, e Francisco Mairlon Aguiar.
A novidade, de acordo com o Innocence Project, é que agora Paulo Santana fez uma retratação, na qual mudou a versão dada à Polícia Civil em 2010.
Nesse novo depoimento, prestado à ONG dentro da prisão, Santana afirmou — pela primeira vez, segundo o Innocence — que cometeu o crime junto com seu tio, mas que Mairlon, que foi condenado a 47 anos de prisão, é inocente. No entanto, para o Ministério Público essa versão não tem valor (leia mais abaixo).
Santana diz que os depoimentos de 2010 foram dados sob pressão da Polícia Civil do Distrito Federal.
Além dos três executores, a filha do casal, Adriana Villela, também foi condenada pelo júri em 2019, acusada de ser a mandante do crime. Segundo a acusação, ela contratou Alves para matar os pais por causa de desentendimentos financeiros.
Adriana aguarda o julgamento de seu recurso pelo STJ em liberdade.
Pedido de liberdadeO Innocence Project afirma que, durante um ano e meio, analisou as mais de 16 mil páginas do processo, assistiu a vídeos que estavam arquivados na Justiça, que mostram as circunstâncias em que os executores confessaram o crime, e concluiu que Mairlon não teve participação. Nesse caso do crime da 113, a ONG atua somente em favor dele.
O pedido de habeas corpus, um tipo de recurso, protocolado no STJ contesta uma decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal que negou, no ano passado, um pedido do Innocence Project para produzir novas provas com o objetivo de reabrir o processo de Mairlon.
A ONG também alega que o nome de MairlonInnocente Project, houve falhas na investigação relativa a ele: nunca foi feito um exame de DNA para confrontar os vestígios de sangue encontrados na cena do crime com amostras de Mairlon e dos outros dois condenados.
Já o número de celular que teve o sigilo quebrado em 2010, quando Mairlon foi preso, não era o mesmo que ele usava na data do crime, em 2009, afirma a advogada.
“Tendo em vista que Francisco Mairlon residia no estado de Goiás, distante mais de 30 km da SQS 113 em Brasília, onde trabalhava na mercearia do pai no bairro do Pedregal, é inegável que tal informação [a localização do celular no dia do crime] seria relevantíssima para confirmar, por mapeamento de ERBs [antenas de transmissão], que o Paciente [Mairlon] não estava, no dia 28 de agosto de 2009, nem próximo do Edifício Leme”, diz o Innocence Project.
A ONG também alega que o nome de Mairlon só entrou na história no sétimo depoimento prestado pelo ex-porteiro Leonardo Alves.
Inicialmente, Alves dizia que somente ele e seu sobrinho Paulo Santana tinham ido ao apartamento dos Villela para roubá-los. Depois, afirmou que foi contratado por Adriana Villela para matar o casal e forjar um roubo.
Ao mudar a versão, Alves disse que ficou na rua e não entrou no apartamento. Ele, então, incriminou Mairlon, afirmando que foi ele e Paulo Santana que subiram até a cobertura dos Villela e desferiram as facadas.
Retratação

Em 2010, Santana confirmou à polícia a versão narrada por seu tio. No entanto, em 17 de janeiro deste ano, ele fez uma retratação à ONG.
“Em nenhum momento a gente entrou em contato com Francisco Mairlon. Francisco Mairlon não tem nada a ver com isso aí. Ele é inocente, entendeu? Ele foi levado num processo a pagar por um crime que ele não cometeu. Ele tá há 14 anos inocente”, diz Santana no vídeo (veja abaixo).
“Tem muitos anos que eu quero uma oportunidade dessa que eu tô tendo hoje. Até parece que foi Deus que tá trazendo isso pra mim, pra dar uma vitória pra ele lá, porque ele merece. Porque ele tá pagando por um crime que ele não cometeu.”
O Innocence Project alega no habeas corpus que Mairlon foi condenado com base apenas nos depoimentos de Alves e Santana, sem outras “provas técnicas” que o ligassem ao crime.
O ex-porteiro e seu sobrinho, diferentemente, foram pegos com joias e dinheiro levados do apartamento das vítimas.
Para a Justiça, pesou contra Mairlon o fato de ele próprio ter assumido, em um de seus depoimentos à Polícia Civil, que foi até o prédio dos Villela junto com Alves e Santana, após vários depoimentos em que negou o crime.
O Innocence diz que se trata de uma falsa confissão, porque Mairlon estava sob pressão da polícia, que lhe prometeu penas mais brandas caso ele confirmasse a versão dos outros dois executores.
Adriana Villela
Na retratação feita por Paulo, Adriana Villa, filha do casal, também seria inocente. Assim, a tese do crime encomendado não se manteria.
Adriana não é citada no pedido de habeas corpus apresentado nesta quinta pela ONG ao STJ. Isso porque, no caso dela, ainda cabe recurso.
O que diz o Ministério Público
Um dos promotores do caso, Marcelo Leite Borges, afirma que, para o Ministério Público, a retratação não tem “valor nenhum”, porque os condenados já mudaram suas versões outras vezes.
“[É] Uma alegação sem prova nenhuma, que quer fazer a gente reabrir toda a instrução de um processo transitado em julgado. Todos eles voltaram atrás nos seus depoimentos. Isso é mais uma manobra para tentar justificar a reabertura do caso”, diz Borges.“A coisa julgada tem que ser respeitada. A decisão do Conselho de Sentença tem que ser respeitada”, afirma, referindo-se ao júri que condenou Mairlon.
No caso de Adriana, o promotor sustentou a mesma posição, de que a nova versão não tem “valor nenhum”.
Questionada sobre as alegações de que pressionou os acusados a mudarem suas versões, a Polícia Civil do Distrito Federal informou que, “considerando que o citado caso se encontra em tramitação no Poder Judiciário, não irá se manifestar”.

Fonte: G1