Campo Grande/MS, 11 de abril de 2025.
Artigo escrito por Tiago Bana.
Recentemente, as declarações do Min. Gilmar Mendes sobre o Projeto de Lei nº 2.858/2022 causaram certo estranhamento. Eis as palavras de Sua Excelência, conforme sintetizadas pelo site G1:
“Não faz sentido algum discutir anistia neste ambiente, e os próprios presidentes das duas casas [Câmara e Senado] têm consciência disso. Seria a consagração da impunidade em um fato que foi e é extremamente grave… Estivemos muito perto de um golpe de Estado, uma tragédia política. Isso é extremamente grave.”
Não seria comum, em qualquer país minimamente civilizado, que um magistrado da mais alta Corte se imiscuísse nos trabalhos legislativos para dizer quais deles fazem ou não sentido, como se comentarista político fosse. Todavia, no atual estágio em que se encontra a cambaleante res publicae, parece que vivemos como se estivéssemos dentro da música consagrada na voz de Tim Maia: “aqui vale tudo”!
Com efeito, ainda que se admitisse que os atos do dia 8 de janeiro de 2023 constituíssem uma tentativa de golpe de Estado — ou coup d’état, como diria sem acanhamento nossoagora poliglota Bolsonaro —, não se trataria de novidade alguma em um país que, desde Deodoro, já testemunhou a Revolta da Armada, a Revolução Federalista, o Tenentismo, a Revolução de 30, a Intentona Comunista, o Estado Novo e o Regime Militar.
Aliás, é de bom-tom recordar que os comunistas, seus asseclas e apêndices — hoje incensados como os libertadores do Brasil do regime militar (o qual, registre-se, poderia até ser justificado num primeiro momento, mas logo se revelou inaceitável diante da perseguição às lideranças civis que aspiravam democraticamente ao poder, como Carlos Lacerda e Jânio Quadros, por exemplo) —, esses mesmos comunistas assaltaram, sequestraram e mataram, não porque fossem verazes democratas, mas porque pretendiam implantar uma ditadura comunista nas terras tupiniquins! E, mesmo assim, foram anistiados em 1979 por todos os crimes que haviam cometido — e não eram poucos…
Tudo isso para dizer que, em nosso país, para quem conhece minimamente sua história recente, outra tentativa de golpe de Estado, mesmo que real, não seria surpresa alguma. Vivemo-las e revivemo-las com frequência comparável à das repúblicas bananeiras das quais supomos estar distantes, mas que são nossas irmãs siamesas.
O que causa estranheza é a fúria com que esses coitados — que participaram ou não do quebra-quebra de 8 de janeiro (recorde-se que muitos foram presos em frente ao quartel de Brasília no dia seguinte, independentemente de estarem ou não na Praça dos Três Poderes no dia anterior) — são atualmente combatidos.
Primeiro, o Supremo Tribunal Federal fixou sua própria competência para julgá-los, fazendo tábula rasa do art. 102, inciso I, da Constituição Federal. É mesmo inacreditável que a Suprema Corte de um país se proponha a avocar tais processos, de maneira a impedir que os réus recorram contra as decisões neles prolatadas, sem qualquer respaldo constitucional ou legal que ampare essa novel espécie de avocatória.
Depois, porque — e isso posso afirmar com convicção, pois atuei no inquérito e em uma das ações penais — as condutas que deveriam ser individualizadas não o foram! As denúncias foram feitas em bloco, sem qualquer preocupação com o que deveria minimamente apresentar uma acusação criminal válida: o crime supostamente praticado por cada qual!
Por fim, as penas impostas aos condenados pelos atos de 8 de janeiro assemelham-se mais às aplicadas por Robespierre no auge do Terror em França do que àquelas previstas no Código Penal brasileiro.
Desse modo, o Projeto de Lei que propõe anistiar tais pessoas — perdão legal a ser concedido por iniciativa do Congresso Nacional, como prevê o art. 48, inciso VIII, da Constituição —, se convertido em lei, servirá para frear a sanha persecutória que hoje abala não só a credibilidade do sistema jurídico brasileiro, como também agride o mais elementar princípio de justiça: a cada um, a pena de acordo com sua culpa.