ARTIGO: Operação sem desconto; a ponta do iceberg nas fraudes contra idosos e aposentados

Campo Grande/MS, 14 de maio de 2025.

Por Lucas Ribeiro Gonçalves Dias.

A Operação Sem Desconto, deflagrada pela Polícia Federal e pela Controladoria-Geral da União (CGU) em 23 de abril de 2025, trouxe à tona um esquema bilionário de fraudes que vitimizou milhões de aposentados e pensionistas em todo o Brasil. Este caso, que já vinha sendo denunciado pela imprensa há algum tempo, especialmente pelos repórteres Luiz Vassalo e Ramiro Brites do site Metrópoles, revela a vulnerabilidade a que está exposta uma das parcelas mais frágeis da população brasileira: os idosos.

O que se verificou na operação, contudo, representa apenas a ponta do iceberg de um problema muito mais profundo e estruturado. As investigações focaram somente nos descontos indevidos promovidos por entidades associativas mediante Acordos de Cooperação Técnica (ACTs) com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Entretanto, a nossa atuação prática na defesa dos aposentados e pensionistas revela que eles também têm sido vítimas de um esquema integrado que envolve seguradoras e instituições financeiras.

Com base nos inúmeros casos que patrocinamos nos últimos anos, podemos afirmar que o esquema fraudulento opera por meio de uma estrutura tripartite bem articulada. Primeiramente, as associações, mediante ACTs com o INSS, promovem descontos diretos nas folhas de pagamento dos beneficiários, sob o pretexto de mensalidades associativas, variando entre R$ 20 e R$ 50 mensais.

Em segundo plano, atuam as seguradoras. Quando aposentados contratam empréstimos consignados, são vinculados involuntariamente a apólices de seguros não solicitadas, gerando cobranças mensais adicionais de pequenas quantias descontadas diretamente de seus benefícios, configurando prática de uma “venda casada”, que é expressamente vedada pela nossa legislação.

Por fim, e não menos grave, operam as instituições financeiras. Em casos alarmantes, são registrados empréstimos consignados jamais contratados pelos beneficiários, cujas parcelas são igualmente descontadas dos benefícios previdenciários, caracterizando não apenas infração consumerista, mas potenciais crimes.

Este cenário expõe uma realidade preocupante sobre a situação dos idosos no Brasil contemporâneo. A revolução tecnológica, que teoricamente deveria facilitar o acesso a serviços, paradoxalmente criou nova modalidade de exclusão para os mais velhos. A digitalização dos serviços públicos e a crescente complexidade dos meios eletrônicos estabeleceram verdadeiro abismo entre a população idosa e o acesso aos serviços essenciais, tornando-os alvos preferenciais para fraudadores.

A responsabilidade neste panorama de fraudes massivas é compartilhada entre as associações fraudadoras, as seguradoras, as instituições financeiras e o próprio INSS, que falhou em sua função fiscalizadora e, em situações específicas, até mesmo facilitou as operações ilícitas.

É imperioso que os aposentados, seus familiares e cuidadores se mantenham vigilantes quanto a possíveis fraudes. Recomenda-se a verificação regular dos descontos realizados nos benefícios previdenciários por meio do extrato emitido no aplicativo Meu INSS, bem como a consulta periódica ao extrato bancário da conta onde é recebido o benefício, com especial atenção para quaisquer descontos suspeitos. Igualmente importante é o monitoramento constante dos contratos de empréstimo consignado vinculados ao benefício previdenciário.

No caso de identificação de irregularidades, deve-se buscar imediatamente orientação jurídica especializada para análise do caso concreto e verificação das medidas judiciais cabíveis, visando a cessação dos descontos indevidos, a restituição dos valores já descontados, acrescidos de juros e correção monetária, além de potencial indenização por danos morais, considerada a gravidade da conduta e o abalo emocional suportado pela vítima.

As fraudes reveladas pela Operação Sem Desconto demonstram a necessidade urgente de aprimoramento dos mecanismos de controle e fiscalização por parte do INSS, bem como o desenvolvimento de políticas públicas que garantam maior segurança nos sistemas de consignação de descontos nos benefícios previdenciários.

O combate efetivo a essas práticas fraudulentas exige atuação coordenada entre órgãos de controle, sistema de justiça e sociedade civil, para que os aposentados e pensionistas possam desfrutar da terceira idade com a dignidade e segurança que lhes são constitucionalmente asseguradas.

Lucas Ribeiro Gonçalves Dias, advogado sócio do escritório Holosbach, Ferreira e Dias.