ARTIGO: O caso Vanessa e a falha na proteção às mulheres; Quando a Lei Maria da Penha não sai do papel

Por Alex Viana

Campo grande/MS, 21 de fevereiro de 2025.

O Brasil acompanhou, estarrecido, o trágico caso da jornalista Vanessa, servidora do Ministério Público, brutalmente assassinada pelo noivo dentro de sua própria casa. No dia 12/02/2025, após sobreviver a cinco dias de terror – mantida em cárcere privado, ameaçada por um homem sob efeito de drogas e tendo sua intimidade exposta em sites pornográficos –, Vanessa finalmente conseguiu ir à Delegacia da Mulher para registrar um boletim de ocorrência. Sua expectativa era clara: ser acolhida e protegida, esperando que a polícia agisse de imediato para afastar o agressor de sua residência. Contudo, a realidade foi devastadora.

Apesar das inúmeras campanhas publicitárias em defesa da mulher, na prática, Vanessa foi mal atendida. O despreparo no atendimento apenas intensificou a vergonha e a sensação de impotência que já a consumiam. Informaram-lhe que não poderiam acompanhá-la até sua casa para retirar seus pertences e, sem alternativas, Vanessa decidiu voltar sozinha. Foi nesse momento que encontrou seu destino fatal, sendo assassinada a facadas pelo noivo.

A violência doméstica no Brasil é uma pauta urgente e alarmante. Infelizmente, a falta de seriedade na coleta de dados e a ausência de uma sistematização eficiente por parte das Secretarias de Segurança Pública impedem um diagnóstico preciso do problema. Para se ter uma ideia, uma pesquisa do DataSenado revelou que 68% das mulheres brasileiras conhecem alguém que sofreu violência doméstica. Além disso, 62% consideram o Brasil um país extremamente machista, e o dado mais assustador: 76% das entrevistadas desconhecem a Lei Maria da Penha.

Mas o que diz essa lei? A Lei 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, foi criada para prevenir e combater a violência doméstica e familiar contra a mulher. Ela estabelece medidas protetivas de urgência, endurece penas para agressores e cria mecanismos de assistência e proteção para as vítimas. Além disso, prevê a criação de juizados especializados e proíbe a aplicação de penas alternativas para crimes de violência doméstica, garantindo maior rigor e celeridade nos processos.

O artigo 8º trata das medidas integradas de prevenção, destacando a necessidade de um atendimento policial especializado, com formação contínua para garantir acolhimento digno e humanizado às vítimas. Já o art. 10-A reforça a obrigatoriedade de um atendimento prioritário e sem contato direto entre a vítima e o agressor, evitando a revitimização. O art. 11 determina que a autoridade policial deve, entre outras providências, garantir proteção policial imediata, acompanhar a vítima para retirada de seus pertences e informá-la sobre seus direitos e os serviços disponíveis, como assistência jurídica para separação ou dissolução da união estável.

O art. 12 estabelece que, ao registrar a ocorrência, a polícia deve imediatamente adotar uma série de medidas, como identificar o agressor, verificar sua ficha criminal e investigar a posse de armas de fogo. Essas ações são essenciais para garantir a segurança da vítima e impedir que tragédias como a de Vanessa se repitam.

É fundamental compreender que a Lei Maria da Penha não falhou. O problema não está na legislação, mas sim na sua aplicação deficiente. A lei determina que as medidas protetivas de urgência devem ser analisadas pelo Judiciário em até 48 horas, mas, na prática, muitas decisões são tomadas no mesmo dia, em poucas horas. Ou seja, a legislação oferece todos os instrumentos para proteger a mulher; o que falta é eficiência no atendimento e comprometimento por parte dos órgãos de segurança.

Infelizmente, delegacias ainda não são ambientes acolhedores. A advocacia há muito tempo denuncia a precariedade do atendimento e o desrespeito enfrentado até mesmo pelos profissionais do direito, em grande parte ocorrido pelo déficit de servidores e acúmulo de serviço. Se advogados são mal tratados, imagine aqueles que, como Vanessa destacou, não têm instrução ou recursos para exigir seus direitos.

Entretanto, O caso dela não deve ser um motivo para aumentar o medo da ineficácia do sistema, mas sim um alerta para que as falhas sejam corrigidas e para que a luta contra a violência doméstica seja levada a sério – na teoria e, principalmente, na prática.