Campo Grande, 25 de junho de 2024
Por: Eduardo Correia Pracz
Esse texto não tem por objetivo discutir a legalidade, a moralidade, os aspectos sociais ou minha posição pessoal a respeito do aborto, é um texto sobre politica criminal, escrito por um advogado que a vive diariamente. No tempo em que reina a ignorância é sempre imprescindível fazer esses esclarecimentos iniciais.
Como criminalista uma frequente dificuldade inerente à profissão é tentar demonstrar para um cliente toda a falta de racionalidade do sistema. É buscar explicar a uma pessoa presa o motivo pelo qual ela está encarcerada por algo “nem tão grave”, enquanto ela viu alguém que praticou algo pior saindo pela porta da frente da carceragem. Missão muitas vezes impossível que nos levam a respostas como “creia ou não creia, mas é a nossa justiça” ou “cada caso é um caso”.
E no reinado dos ignorantes que não se limitam a um espectro político, todos os dias ficamos cada vez mais impressionados com a capacidade dos nossos parlamentares em tornar a Justiça Criminal cada vez mais desordenada.
O projeto de Lei 1904/24 de autoria do Deputado Sóstenes Cavalcante, equipara as penas do crime de aborto que atualmente é de 1 a 3 anos de detenção, ao do delito de homicidio simples (6 a 20 anos). Além disso, também retira a hipótese de aborto legal, praticado pelas vítimas de estupro caso o feto tenha completado 22 semanas.
Os crimes de roubo, tráfico de pessoas, de drogas, sequestro, extorsão, organização criminosa, são crimes que à título de exemplo possuem penas mínimas menores do que a prevista no referido projeto.
Estranho? Talvez dizer que o crime de Estupro tem a pena de 6 a 10 anos de reclusão, ou seja, uma reprimenda máxima 10 anos menor daquela que o projeto pretende impor a pessoa estuprada que abortou. Talvez isso escancare a completa contradição do projeto.
Acaso o projeto venha a ser concretizado, uma mulher, vítima de estupro que venha a abortar, poderá ter a pena maior do que a do homem que a estuprou.
É um quantitativo de traumas. Primeiro a mulher é estuprada, se descobrir a gravidez tardiamente e decidir por abortar, terá o trauma do próprio aborto, posteriormente terá o trauma de responder um processo criminal, de receber uma condenação, ser encarcerada e por fim assistir o seu algoz entrando em liberdade antes dela mesma.
Eu poderia seguir aqui, discorrendo toda a hipocrisia que permeia o projeto, mas deixo o questionamento, isso é necessário, é justo, é coerente? Deixo a resposta com o leitor, penso que preciso voltar a refletir com urgência, uma resposta melhor do que “creia ou não creia, mas é a nossa justiça” para uma eventual cliente que venha a responder por esse dramático crime.