Campo Grande, 21 de junho de 2024
Aspectos de um pré-julgamento e métodos de aplicação de uma justiça próxima do ideal
Por Rodrigo Santos
O presente excerto passa pela análise da influência da mídia na formação de pré-julgamentos dos jurados no Tribunal do Júri. Inicialmente, explora-se a evolução da mídia ao longo do tempo, ressaltando como essa evolução impactou a chamada “opinião pública”, a qual vai ser conceituada para que se entenda como ela pode majorar ideias tidas como gerais, ou seja, criem uma espécie de entendimento público.
Vale abordar que a formação da opinião pública se dá por meio dos diversos meios de comunicação, destacando a influência da mídia nesse processo. Além disso, explorar-se-á a interseção entre a opinião pública e o Tribunal do Júri, com base em entrevistas realizadas com autoridades técnicas atuantes nesse campo, incluindo magistrados, promotores e advogados.
Outrora há que se utilizar métodos de pesquisa bibliográfica e de campo: estudo que busca apresentar diferentes perspectivas sobre o tema. Não visa a uma conclusão definitiva, mas busca levantar questões relevantes para o debate sobre a influência da mídia no processo de formação de opinião e julgamento prévio, visando a garantir uma justiça que se aproxime do ideal, especialmente em casos de crimes dolosos contra a vida, que são da competência do Tribunal do Júri.
A Formação da Opinião Pública
Antes, vale nota que o Júri é a máxima expressão de uma democracia que contempla o julgamento dos réus pelos seus próprios pares. O Tribunal do Júri é visto como uma expressão da vontade popular, enfatizando seu papel central na aplicação da justiça.
Assim, no primeiro momento há que se conceituar o que mencionamos como opinião pública.
A informação impulsiona o desenvolvimento humano, promovendo avanços sociais, científicos e tecnológicos. Atualmente, a disseminação instantânea de informações em escala global permite interações imediatas em qualquer lugar do mundo.
O conceito de opinião pública abrange vários elementos fundamentais que contribuem para a compreensão e análise da dinâmica social e política. Esses elementos incluem a direção, que indica a tendência predominante de apoio ou rejeição em relação a um determinado tema na sociedade. A intensidade, por sua vez, refere-se ao grau de adesão e engajamento da comunidade em relação a uma determinada questão, como evidenciado nos casos polêmicos submetidos ao Tribunal do Júri, especialmente quando envolvem temas sensíveis como crimes contra crianças, mulheres em situação de violência doméstica ou atos violentos e cruéis.
Além disso, a coerência desempenha um papel essencial na compreensão da opinião pública, pois implica uma relação lógica entre os conceitos e finalidades discutidos, exemplificado por eventos contraditórios que contradizem os princípios subjacentes a determinadas reivindicações populares. A consistência, por sua vez, está relacionada à solidez e validade dos argumentos e conteúdos que permeiam um determinado tema, e quanto mais substanciais e incontestáveis forem, mais robusta é a consistência percebida da opinião pública sobre esse assunto.
A latência também desempenha um papel crucial, pois se refere à potencialidade e importância de certos temas que ainda não foram amplamente discutidos ou expostos ao público. No contexto específico do Tribunal do Júri, a própria natureza dos crimes julgados reflete a latência subjacente, devido à sua intrínseca relevância e sensibilidade social.
Dessa forma, a opinião pública pode ser compreendida como um processo complexo e intelectual que se inicia com a exposição de um problema, seguido por uma análise lógica e crítica, e culmina na formação de uma opinião concreta e compartilhada. A discussão e o debate entre os diversos atores sociais são fundamentais para que as visões divergentes possam ser consideradas e para que, eventualmente, um consenso ou acordo possa ser alcançado, refletindo-se, por fim, na expressão e manifestação coletiva da opinião pública.
Opinião Pública, Mídia e Júri
Há complexa inter-relação entre a opinião pública, a mídia e o processo de formação de pré-julgamentos no âmbito do Tribunal do Júri. Partindo do pressuposto de que os jurados são membros da sociedade, é crucial compreender como a disseminação rápida e ampla de informações molda e influência a percepção coletiva. A mídia, considerada o “quarto poder”, desempenha um papel central nesse cenário, atuando como uma fonte confiável e influente de informações para o público em geral.
A influência da mídia na opinião pública é evidenciada por sua capacidade de selecionar e enquadrar os assuntos, moldando assim a percepção coletiva sobre determinados temas. Esse processo de seleção de informações e a narrativa que a acompanha podem influenciar fortemente a maneira como o público percebe e interpreta eventos, incluindo os casos em julgamento no Tribunal do Júri.
Ao analisar casos específicos de crimes dolosos contra a vida, observa-se que a mídia frequentemente dá ampla cobertura a tais eventos, muitas vezes destacando detalhes sensacionalistas para atrair a atenção do público. Isso cria uma narrativa que pode influenciar a opinião pública antes mesmo de os fatos serem totalmente esclarecidos no tribunal. A cobertura jornalística intensa desde o início do caso até a sentença reflete o interesse público significativo nesses casos e destaca a influência da mídia na formação da opinião pública.
Além disso, há tendência social de favorecer a condenação em detrimento da absolvição, refletindo a noção histórica de justiça retributiva que remonta ha tempos antigos. A simpatia e empatia natural em relação às vítimas e suas famílias, muitas vezes destacadas pela mídia, podem inclinar a balança da opinião pública em direção à condenação, mesmo antes de todos os fatos serem devidamente examinados e apresentados no tribunal.
Portanto, considerando todos esses fatores complexos, o estudo busca compreender o peso da influência da opinião pública e da mídia na formação de pré- conceitos entre os jurados no Tribunal do Júri, levantando questões críticas sobre a equidade e imparcialidade do sistema judicial diante da influência externa e da percepção pública preexistente.
A busca por Justiça
O que temos é um conceito multifacetado de justiça, através da análise das perspectivas filosóficas que vêm evoluindo com o tempo e busca ainda nas raízes dos primórdios alguns conceitos, como a equidade Aristotélica, que se baseia no conceito de justiça na medida de uma razoabilidade ou proporcionalidade ou o “imperativo categórico” Kantiano, ou seja, a maneira como um indivíduo age de acordo com princípios que gostaria de ser aplicados, como uma máxima, e que poderá se tornar o que ele chama lei universal. A discussão central, aqui, se concentra na compreensão da justiça como um ideal complexo que tem evoluído ao longo do tempo e tem sido moldado por diferentes visões de pensadores proeminentes.
Inicialmente, a reflexão sobre a justiça se debruça sobre o pensamento de Platão, onde a justiça é vista como algo vinculado ao “bem comum” e governada por uma elite intelectual que busca estabelecer uma ordem social baseada em valores morais. A influência da opinião pública, conforme observado no contexto contemporâneo, é considerada uma distinção crucial em relação à perspectiva platônica.
Em contraste, Aristóteles concebe a justiça como uma noção enraizada na ordem natural das coisas, permeada por uma distribuição equitativa de recursos e responsabilidades na sociedade. A distinção entre justiça e direito, embora não seja negada, é vista como uma interação complexa que ressoa com os valores morais intrínsecos à natureza humana.
Por sua vez, Thomas Hobbes desafia a ideia de justiça em um estado de natureza caótico, onde o individualismo prevalece e os direitos são subjetivos. A concepção de um contrato social que estabelece uma ordem social coesa e uma aplicação eficaz da justiça é destacada como um marco fundamental para o entendimento do conceito de justiça dentro do âmbito legal e social.
Além disso, a ideia de equidade, frequentemente utilizada no contexto jurídico, é discutida como uma extensão da justiça, baseada na ideia de proporção e racionalidade. Essa noção é vital na garantia de tratamento justo e proporcional para todos os indivíduos, especialmente em situações em que a norma legal não é suficiente para resolver um caso específico.
Em última análise, há que se concluir, enfatizando a ideia de que a justiça é um conceito humano, sempre sujeito a interpretações e limitações inerentes à natureza humana. A complexidade inerente ao termo “justiça próxima do ideal” reflete a busca contínua por equilíbrio e equidade no sistema jurídico e social.
Neste trabalho, o foco central é a análise da possível influência da mídia no pré-julgamento dos jurados ao comparecerem ao Tribunal do Júri. Considerando o cenário da pesquisa no Tribunal do Júri de Campo Grande, as entrevistas realizadas com magistrados, promotores e advogados do referido tribunal desempenharam um papel crucial na obtenção de uma perspectiva multifacetada sobre a questão em estudo.
A relevância do contexto histórico e legislativo que envolve a prática do Tribunal do Júri foi um dos pontos abordados, enfatizando a constante evolução do sistema judicial em meio à era da informação. Além disso, a relação entre o comportamento midiático e a compreensão pública dos casos apresentados no tribunal foi examinada, destacando o potencial impacto das opiniões veiculadas pela mídia, muitas vezes desprovidas de conhecimento técnico aprofundado.
Por meio de entrevistas estruturadas com os profissionais do sistema jurídico, foram levantadas questões pertinentes sobre a possível influência da mídia no pré-julgamento, o uso do jornalismo como prova durante os debates e a presença midiática durante os julgamentos. A análise dos diferentes pontos de vista proporcionou uma compreensão mais ampla das dinâmicas envolvidas, destacando a importância de garantir a aplicabilidade legal e minimizar potenciais interferências externas no processo de julgamento.
Além disso, o estudo considerou a era da comunicação como um contexto crucial para entender as complexidades da influência da mídia no pensamento humano, bem como para desenvolver estratégias eficazes no Tribunal do Júri para garantir imparcialidade e justiça. A pluralidade de conhecimentos e perspectivas apresentada nas entrevistas foi analisada com o objetivo de aprimorar o entendimento crítico sobre a dinâmica da influência midiática no processo de julgamento e no pensamento dos jurados.
Opiniões do Corpo Técnico sobre a possível influência da mídia no Tribunal do Júri
Ao prosseguir, o diálogo contínuo entre as ideias extraídas das entrevistas e os conceitos-chave discutidos na pesquisa se propõe a enriquecer ainda mais a compreensão do papel da mídia no Tribunal do Júri e a refletir sobre estratégias para mitigar potenciais influências que possam comprometer a justiça dita imparcial.
Há que se mergulhar na complexa interseção entre a influência da mídia e o funcionamento do Tribunal do Júri, levantando questões fundamentais sobre a imparcialidade e a justiça no sistema judiciário. A partir de uma extensa série de entrevistas com uma variedade de atores jurídicos, incluindo juízes, promotores e advogados, são apresentadas visões multifacetadas sobre como a cobertura midiática pode moldar as percepções do público e, por consequência, influenciar os jurados antes e durante os julgamentos.
O juiz Aluízio Pereira dos Santos, que atua no Tribunal do Júri de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, desde 2005, enfatiza a importância da mídia na criação de um conhecimento prévio por parte dos jurados, enfatizando como a ampla divulgação de determinados crimes pela imprensa pode afetar a percepção e o entendimento dos cidadãos em relação aos casos. No entanto, ele também destaca a capacidade do próprio sistema legal em mitigar essas influências por meio da apresentação de provas e argumentos durante o julgamento, permitindo que os jurados reavaliem suas percepções iniciais.
Por outro lado, o juiz Carlos Alberto Garcete de Almeida, magistrado que está à frente da Segunda Vara do Tribunal do Júri de Campo Grande a partir de 2009, traz à tona a noção de que a influência da mídia permeia todo o sistema judicial, afetando não apenas os julgamentos do júri, mas também outros processos judiciais. Ele levanta a questão crucial da evolução da era digital e seu impacto na disseminação de informações, enfatizando como a sociedade contemporânea está cada vez mais exposta a uma variedade de pontos de vista, o que pode atenuar a influência da mídia no Tribunal do Júri.
As perspectivas dos promotores de justiça, como Luciana do Amaral Rabelo e José Arturo Iunes Bobadilla Garcia, ambos com mais de 24 anos no Ministério público, oferecem visões divergentes sobre o papel da mídia na formação de opiniões públicas e na disseminação de informações sobre casos criminais. Rabelo destaca a importância da mídia no esclarecimento e na divulgação de informações precisas para a sociedade, contribuindo para uma compreensão mais completa dos casos. Enquanto isso, Garcia adota uma visão mais cética, sugerindo que o impacto direto da mídia nos julgamentos do júri pode ser limitado, pois os jurados são instruídos a basear suas decisões nas evidências apresentadas durante o julgamento.
Os advogados, como José Roberto Rodrigues da Rosa e Renato Franco, ambos especialistas em atuação no Tribunal do Júri, com atuações em todo o país, expressam preocupações distintas sobre a suscetibilidade dos jurados à influência midiática. Eles destacam as dificuldades enfrentadas pela defesa em casos de alta repercussão midiática, ressaltando a importância de garantir um julgamento justo e imparcial, especialmente quando há uma pressão pública intensa para uma determinada decisão. Suas observações enfatizam a necessidade de preservar a integridade do processo judicial, protegendo os direitos de todas as partes envolvidas.
À luz das diversas perspectivas apresentadas, enfatiza-se a importância crítica de abordar as práticas midiáticas de maneira cuidadosa e responsável, reconhecendo seu papel na formação da opinião pública e, consequentemente, na influência sobre os julgamentos. Ao mesmo tempo, destaca a importância de salvaguardas legais que garantam a imparcialidade e a equidade no sistema judiciário, promovendo a justiça e a igualdade para todos os envolvidos no processo.
Técnicas para mitigar a influência da mídia no júri
Há que se abordar a questão da influência da mídia e o desafio de desmistificar conteúdos contaminados durante o pré-julgamento, oferecendo insights de juízes, promotores e advogados sobre estratégias para garantir a imparcialidade e a justiça ideal no sistema jurídico. A análise se baseia em entrevistas e reflexões fornecidas por profissionais do Direito, apresentando uma visão abrangente sobre a maneira como a mídia e outros fatores podem impactar o processo de julgamento.
O juiz Aluízio Pereira dos Santos ressalta a importância de apresentar provas contundentes durante o julgamento para desfazer qualquer influência prévia da mídia. Ele destaca a necessidade de enfatizar as evidências documentais, periciais e testemunhais, reforçando a importância de basear as decisões dos jurados nos elementos do processo, em oposição a interpretações midiáticas. Além disso, o juiz destaca como a interpretação da mídia pode distorcer os fatos, especialmente em casos que ainda estão na fase de investigação, enfatizando a importância de confiar no processo legal para a apresentação da verdade.
O juiz Carlos Alberto Garcete de Almeida destaca a importância de esclarecer e orientar os jurados, fornecendo-lhes informações precisas por meio de uma cartilha introdutória. Ele ressalta a necessidade de garantir que os jurados compreendam os princípios fundamentais do Tribunal do Júri e que o juiz esteja presente para fornecer orientações durante o processo.
A promotora de justiça Luciana sublinha a responsabilidade tanto do Ministério Público quanto da defesa de desfazer preconceitos e preconcepções dos jurados, enfatizando a importância de se concentrar nas provas do processo. Ela destaca a relevância de enfatizar a imparcialidade e a justiça com base nas evidências apresentadas.
Os advogados, José Roberto e Renato, abordam a importância de solicitar o desaforamento de casos para evitar a contaminação do júri por opiniões públicas e pré-julgamentos. Eles destacam a necessidade de uma análise cuidadosa da lista de jurados, levando em consideração a exposição pública prévia dos potenciais jurados em redes sociais e outras fontes. Além disso, eles apontam para a importância de usar a retórica de maneira adequada para influenciar o júri durante o julgamento.
A necessidade de uma comunicação clara e acessível durante o julgamento é ressaltada, especialmente considerando o cuidado em evitar o uso excessivo de termos técnicos e a importância de adaptar a linguagem para garantir que todos os jurados compreendam os procedimentos e as provas apresentadas.
Portanto, deve se sugerir uma abordagem multidimensional para lidar com a influência da mídia e outras influências externas no Tribunal do Júri, destacando a importância de estratégias cuidadosas e da salvaguarda dos princípios fundamentais da justiça e imparcialidade.
Reportagem como prova
Certamente, todos os elementos apresentados durante a Sessão possuem sua respectiva relevância, cada um deles contribuindo de maneira singular para a análise e agregação pelos jurados. A decisão final sobre a condenação ou absolvição, bem como outras questões, como qualificadoras, requer uma avaliação minuciosa por parte do corpo de jurados. É crucial ressaltar que todos os envolvidos compreendem que a verdadeira prova é aquela submetida ao contraditório, embora seja comum o uso de reportagens no Tribunal do Júri. O juiz Carlos Alberto Garcete de Almeida esclarece este ponto de maneira que a reportagem pode ser usada como elemento informativo, mas não como prova. Muitas vezes, é exibido em plenário um depoimento que alguém prestou no momento da prisão na delegacia, por exemplo. No entanto, é essencial lembrar que isso é apenas um elemento informativo, uma vez que não passou pelo contraditório nem pelo acompanhamento de um advogado que estava presente para orientar. Portanto, não possui valor de prova. No direito processual penal, a prova é tudo aquilo que é produzido sob o crivo do contraditório.
Não é apropriado discutir se a reportagem constitui ou não uma prova, uma vez que o conceito estabelecido pelo magistrado é restrito e não admite ampliação. Uma reportagem só poderia ser considerada uma prova caso fosse incluída no processo durante suas fases e, com a observância do contraditório, todo o seu conteúdo fosse analisado, a fim de determinar se ela pode ser utilizada com validade probatória. Portanto, ao ser exibida no plenário, ela pode ter um caráter meramente informativo. No entanto, é de extrema importância informar aos jurados sobre essa classificação para que não atribuam a ela mais peso do que às provas obtidas e que fazem parte do conjunto de evidências técnicas reunidas até o momento. Sobre o uso de reportagens durante o julgamento no Tribunal do Júri, a promotora de justiça Luciana menciona que utiliza frequentemente em seus julgamentos reportagens sobre os fatos. Isso porque muitas vezes o primeiro a chegar no local do crime, com base em informações da própria população, é um repórter, revela. Observa-se aqui um contraponto em relação a um ponto anteriormente abordado. Enquanto foi mencionado anteriormente que a reportagem reflete o sentimento daquele momento, do calor dos acontecimentos, o que pode ter um entendimento distinto posteriormente, durante a investigação policial e as fases do processo, também pode representar um momento em que testemunhas e indivíduos com informações relevantes podem ser encontrados. Assim, a reportagem daquele momento pode conter uma série de perspectivas que devem ser confrontadas e comparadas com o conteúdo presente no processo. Se essas perspectivas forem consistentes e corroborarem com o que está registrado no processo, elas podem ser utilizadas. No entanto, se houver contradições, é necessário agir com cautela. O outro promotor de justiça entrevistado, Dr. José Arturo, comenta sobre o uso de reportagens no Tribunal do Júri que o que importa é a prova técnica, a prova material, a prova da autoria. Recentemente, durante um júri de grande repercussão, a defesa criticou a imprensa por divulgar os fatos. Nesse caso, o promotor avalia que esses ataques tiveram uma reação um tanto desproporcional, uma vez que a imprensa deve servir a sociedade com informações.
Este caso em particular diz respeito a dois réus que mataram um adolescente de 17 anos utilizando uma mangueira de compressor de lava jato colocada próxima ao ânus da vítima, sob o pretexto de uma “brincadeira” que, no entanto, resultou na ruptura do esôfago e no falecimento da vítima. É importante ressaltar que, no caso do promotor mencionado, ele deixa claro que não acredita que a mídia influencie um pré-julgamento dos jurados antes do início da Sessão no Plenário do Júri. No entanto, a preocupação da defesa com a formação de um pré-julgamento fica evidente com base nos fatos relatados. Afinal, por que atacar a mídia se ela não exerce influência? Isso revela, mais uma vez, uma controvérsia. Os advogados entrevistados compartilham a mesma perspectiva. O Dr. José Roberto menciona o uso de reportagens como elementos informativos durante o julgamento no Tribunal, que pode servir como um meio de informação e ter o poder da prova. Ela pode influenciar a decisão dos jurados, pois muitas vezes apresenta situações que são exibidas durante o julgamento.
Portanto, há uma relação entre a reportagem e a prova em si. O defensor destaca que, apesar de a reportagem ser um instrumento informativo, ela pode moldar a perspectiva do jurado e, assim, contribuir e até direcionar uma decisão. Uma visão semelhante é apresentada pela defesa do Dr. Renato, que utiliza diferentes formas de reportagens, incluindo aquelas de natureza institucional, para ajudar a formar a opinião dos jurados durante a análise do caso em questão, o advogado disse que usa matérias jornalísticas, entrevistas e até mesmo vídeos institucionais do próprio Ministério Público em seus julgamentos recentes, sem necessidade de autorização judicial, pois eles não estavam diretamente relacionados ao fato específico investigado no processo. Recorreu a vários recursos midiáticos durante o plenário do Tribunal do Júri.
Mesmo como elementos informativos, as reportagens servem para moldar a opinião dos jurados durante os julgamentos, uma vez que fazem parte dos elementos considerados durante a Sessão. Determinar se elas são mais ou menos influentes do que as provas reunidas nos autos é uma questão mais subjetiva. No entanto, a exposição dessas reportagens não deixa de ser um ponto de discussão e destaca a presença da mídia não apenas na formação de um pré-julgamento, mas também como um elemento durante os procedimentos no plenário. Observa-se aqui a presença de duas influências distintas.
Interesse da Mídia em Casos polêmicos, como o da Família Name
Em julho deste ano, um caso polêmico tomou conta dos holofotes foi o julgamento que envolveu Jamil Name, Jamil Name Filho, que fazem parte de uma família que foi apontada como comandante de jogos de azar e responsável por uma série de execuções por meio de crimes de pistolagem.
O julgamento em questão é apenas um dos crimes atribuídos ao grupo e também foram levados perante os jurados Marcelo Rios e Vladenilson Olmedo: ambos apontados como intermediários da execução de um jovem. Quanto aos executores em si, um deles foi morto em confronto com a polícia no Rio Grande do Norte e o outro permanece foragido, mas há informações de que possa estar morto.
A acusação do Ministério Público aponta que Jamil e o filho teriam ordenado a morte de um homem, apontado como traidor do grupo: o ex-major da PM Paulo Xavier. O que ocorre é que no dia da execução, o filho do major, Matheus Coutinho Xavier, de 22 anos, foi morto no lugar do pai, por engano.
O ato em si chamaria a atenção midiática pelo fato em si, mas por estar ligado a uma das famílias consideradas mais ricas e poderosas de Mato Grosso do Sul, contou com um apelo maior. Tanto que todos os meios de comunicação lotaram o Tribunal do Júri e houve até transmissões concomitantes ao vivo por diversas mídias televisivas, de rádio e online. Foi montado todo um esquema de segurança e tudo foi acompanhado por três dias consecutivos de interrogatórios. Jamil, na data do júri, estava morto havia meses, de covid, no Presídio Federal de Mossoró, no Rio Grande do Norte. Ao final, Jamil Filho, Marcelo Rios e Vladenilson foram condenados a mais de 20 anos de prisão cada um. O que se questiona é: até que ponto o apelo popular por uma condenação pode ter influenciado no julgamento, afinal, todos os réus negaram categoricamente os crimes a eles atribuídos. Todavia havia elementos suficiantes para levar o caso ao Tribunal do Júri.
Pela narrativa em si, não se deve negar que o fato do conhecimento público, ou seja, houve historicamente no Estado a formação de uma opinião pública sobre a “Família Name” como ligada a crimes como os que lhes foram atribuídos e, claro, essa formação conceitual prévia pode ter influenciado de alguma maneira, em alguma medida, o pré-julgamento dos jurados, que com certeza já foram para o plenário com conhecimento prévio sobre o caso e sobre o conhecimento popular sobre os réus.
Considerações Finais
A discussão se concentra na formação da opinião pública e como ela influencia os jurados, além das opiniões divergentes de diferentes atores do sistema judiciário sobre o impacto da mídia nos vereditos do júri.
A opinião pública tende a influenciar a percepção dos jurados, antes mesmo do início do julgamento, e destaca a importância de esclarecer os jurados sobre a necessidade de se basear apenas nas evidências apresentadas durante o processo. O papel da emoção e da oratória persuasiva na formação das convicções dos jurados é de extrema relevância. É claro que a justiça ideal pode não ser alcançada, mas a busca por ela deve ser contínua.
Além disso, é de extrema relevância analisar o caso concreto, solicitar o desaforamento se necessário e recusar jurados que possam ter sido influenciados pela mídia, caso esse seja o entendimento da defesa ou acusação.
Conclui-se que o assunto é complexo e requer outras análises e pesquisas para compreender plenamente o impacto da mídia no sistema judiciário. Todavia é deveras importante mitigar quaisquer preconceitos ou influências externas no processo para garantir a justiça próxima do que se considera adequado.
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