Submeter réu a júri com base em testemunho de ‘ouvir dizer’ é ilegal

Campo Grande/MS, 19 de março de 2025.

Levar um réu a julgamento pelo Tribunal do Júri por acusação baseada em testemunho indireto configura constrangimento ilegal.

Com esse entendimento, o ministro do Superior Tribunal de Justiça Ribeiro Dantas anulou a pronúncia de um homem em uma ação penal por homicídio duplamente qualificado e ocultação de cadáver.

A ordem de ofício foi dada após análise de um Habeas Corpus apontando ausência de provas de sua participação nos crimes. O recurso foi impetrado dias antes de o homem ser submetido ao Tribunal do Júri com outros dois denunciados.

Segundo testemunhas, o réu e outro homem estavam em um suposto ponto de venda de drogas no momento em que a vítima e um amigo foram comprar entorpecentes. Por causa de uma dívida, os traficantes se recusaram a vender as substâncias. A vítima, então, provocou um tumulto. Durante a confusão, outro homem chegou ao local e matou a vítima a tiros.

Para justificar a denúncia, o delegado responsável afirmou que a participação dele no crime foi mencionada por testemunhas. Questionado em audiência sobre a origem da informação, porém, o agente disse que não se recordava e que não saberia dizer quem contou a ele.

Somado ao fato de que o depoimento de nenhuma das testemunhas ouvidas durante as investigações e em juízo corroboram a versão do delegado, a defesa do paciente argumentou se tratar de um testemunho indireto, do tipo “ouvi dizer”.

Sem elemento concreto

Após análise do processo, o ministro do STJ constatou a inexistência de indícios de autoria. “Verifica-se que a decisão de pronúncia do paciente está fundamentada exclusivamente em sua presença no local dos fatos — circunstância que ele próprio nunca negou — sem indicação de qualquer elemento concreto de participação no crime.”

“A testemunha presencial que acompanhava a vítima no momento dos fatos não apenas deixou de apontar qualquer conduta delitiva praticada pelo paciente, como afirmou categoricamente que não o viu no momento das agressões e dos disparos. Tal declaração ganha especial relevo por se tratar da única testemunha presencial que efetivamente acompanhava a vítima, tendo presenciado toda a dinâmica dos acontecimentos até conseguir empreender fuga”, continuou ele.

“Nesse contexto, submeter o paciente a julgamento pelo Tribunal do Júri com base apenas em meras conjecturas e testemunhos indiretos, sem nenhum elemento concreto de participação no crime, caracteriza constrangimento ilegal sanável pela via do Habeas Corpus”, decidiu o ministro.

Os advogados Ana Paula Krug e Gustavo Bretana atuaram no processo.

 

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HC 964.049

Fonte: Conjur