Por Fabiana Trad.
Campo Grande/MS, 13 de março de 2025.
O Brasil ocupa a terceira posição no ranking dos países que mais encarceram no mundo, um reflexo de uma cultura punitivista que privilegia o encarceramento massivo em detrimento de soluções mais eficazes e humanizadas. Atualmente, a população carcerária em celas físicas no país soma 663 mil pessoas, uma cifra alarmante que evidencia o colapso do sistema prisional.
Dentre esses encarcerados, aproximadamente 30% sequer foram condenados: são os presos provisórios, indivíduos que, sem uma sentença definitiva, encontram-se relegados a um limbo de um sistema punitivista falho.
A doutrina jurídica é clara: a prisão deve ser aplicada apenas como ultima ratio, quando todas as alternativas menos gravosas forem exauridas. Isto porque a privação da liberdade é a mais drástica e irreversível intervenção do Estado sobre a dignidade e a existência de um indivíduo.
No entanto, a realidade do sistema penal brasileiro segue na contramão desse princípio fundamental. A prisão preventiva, concebida para ser excepcional, tornou-se a resposta imediata de um Judiciário que, muitas vezes, ignora as garantias individuais em nome de um punitivismo indiscriminado.
O resultado é a perpetuação de um ciclo de encarceramento descontrolado, no qual a presunção de inocência se desfaz diante da ânsia de punir antes mesmo de julgar.
A garantia da ordem pública e a necessidade de assegurar a instrução criminal, fundamentos que deveriam ser aplicados com parcimônia, são frequentemente utilizados como meras formalidades para justificar decisões que priorizam o encarceramento imediato. A consequência dessa abordagem é a banalização da prisão provisória, que afeta milhares de pessoas sem condenação definitiva.
Milhares de casos, todos os dias, escancaram essa realidade. Na última sexta-feira, 7 de março de 2025, o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul revogou a liberdade provisória de um réu, determinando sua prisão preventiva mais de seis meses após ele ter sido beneficiado com medidas cautelares e pagamento de fiança.
Na audiência de custódia realizada em 14 de agosto de 2024, o juiz de primeira instância concedeu liberdade provisória ao réu, impondo três medidas cautelares diversas da prisão, além do pagamento de uma fiança correspondente a cinco salários mínimos. Naquela ocasião, o magistrado considerou que não havia elementos suficientes para justificar a prisão preventiva, destacando a inexistência de risco à ordem pública.
O Ministério Público recorreu da decisão e, em 7 de março de 2025, o TJ/MS acatou o recurso, decretando a prisão preventiva do réu sob o argumento de necessidade de garantir a ordem pública e preservar a regularidade da instrução processual. O advogado de defesa, Pedro Paulo Sperb Wanderley, manifestou-se veementemente contra a decisão, sustentando que não há justificativa legalmente suficiente para a decretação da prisão preventiva.
A decisão ignorou um dos requisitos essenciais para a decretação da prisão preventiva: a contemporaneidade dos fatos. Sem que houvesse qualquer novo elemento que justificasse a medida, o réu foi preso meses depois de ter sido colocado em liberdade.
Agora, ele se junta aos 183 mil presos que aguardam julgamento no Brasil, número que cresce e empurra o sistema carcerário em direção ao caos. A superlotação das penitenciárias, somada ao uso indiscriminado da prisão preventiva, não apenas corrompe os princípios basilares do devido processo legal, mas também compromete a própria essência do sistema de justiça criminal. Este deveria priorizar medidas proporcionais e eficazes para a proteção dos direitos fundamentais, mas, infelizmente, opta sempre pela prisão.
Não nos esqueçamos: em breve, não caberão mais indivíduos nas celas. A falência desse modelo punitivista é apenas uma questão de tempo.