Segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a apreensão de drogas com alguém em via pública não configura fundada razão sobre a existência de entorpecentes no interior de sua residência.
Com esse entendimento, o ministro Rogerio Schietti Cruz, do STJ, anulou todas as provas obtidas por meio do ingresso de policiais na casa de um acusado.
A decisão não vale para as provas obtidas em busca pessoal feita antes da entrada na residência. Mas, como a maior parte das provas foi anulada, Schietti determinou que o juiz de primeiro grau reavalie a necessidade da prisão preventiva do réu.
O homem viu a viatura na qual os policiais faziam patrulhamento de rotina, iniciou uma fuga e dispensou uma mochila na vegetação. Os agentes fizeram a abordagem e encontraram na mochila 213 gramas de cocaína, 145 gramas de maconha e 87 grama de K2 (espécie de maconha sintética).
Em seguida, de acordo com os policiais, o homem admitiu a prática de tráfico e revelou a existência de mais drogas estocadas em sua casa. Com a suposta autorização do réu, os agentes foram até o endereço indicado e localizaram mais 4,5 quilos de cocaína, 1,6 quilo de crack e 1,8 quilo de maconha.
No STJ, o ministro relator lembrou que, conforme precedente do Supremo Tribunal Federal (RE 603.616), a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é válida “quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas”, que indiquem situação de flagrante delito dentro do local.
Além disso, a 6ª Turma do STJ já decidiu que a mera constatação da situação de flagrante após o ingresso sem consentimento do morador não justifica a medida (REsp 1.574.681).
Na visão de Schietti, a busca pessoal fora da casa e a apreensão das drogas na mochila foram lícitas, “mas não havia fundadas razões acerca da prática de crime permanente a autorizar o ingresso no domicílio do paciente” — pois uma ação não justifica a outra.
Além disso, a mesma 6ª Turma já decidiu que o ingresso em domicílio exige consentimento voluntário do morador, sem qualquer tipo de constrangimento ou coação. Além disso, essa autorização deve ser feita em declaração assinada (se possível, com testemunhas) e registrada em áudio e vídeo. A 5ª Turma já se alinhou a esse entendimento.
No caso concreto, Schietti constatou que não houve comprovação do consentimento de nenhum morador, nem mesmo preocupação em documentar essa autorização — o que era função dos policiais.
Embora os agentes tivessem alegado que o réu havia autorizado as buscas na casa, o relator afirmou que essa versão “soa inverossímil”. Segundo ele, “um mínimo de vivência e de bom senso sugerem a falta de credibilidade de tal versão”, já que o réu estava detido por policiais armados. Há ainda no caso um “indisfarçável desejo de se criar narrativa amparadora de uma versão que confira plena legalidade à ação estatal”.
Essa dúvida, de acordo com o ministro, não pode beneficiar o Estado: “A situação versada neste e em inúmeros outros processos que aportam nesta Corte Superior diz respeito à própria noção de civilidade e ao significado concreto do que se entende por Estado democrático de Direito, que não pode coonestar, para sua legítima existência, práticas abusivas contra parcelas da população que, por sua topografia e status social, costumam ficar mais suscetíveis ao braço ostensivo e armado das forças de segurança”.