“Ação civil pública é inadequada”, sustenta advogada do empresário Celso Éder em embargos de declaração

Por redação.

Campo Grande/MS, 12 de dezembro de 2024.

O Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul decidirá, nos próximos dias, sobre os embargos de declaração referentes à Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público Estadual contra o empresário Celso Éder Gonzaga de Araújo, a Company Consultoria Empresarial e outros nove réus, envolvidos em supostos golpes investigados pela Operação Ouro de Ofir, deflagrada em 2017.

A controvérsia gira em torno da viabilidade da ACP, questionada pela defesa do empresário, que alega o risco de um precedente perigoso ao permitir a aplicação de penalidades com base em suposições, sem provas concretas ou vítimas identificadas. Suzana Camargo, advogada de defesa, sustenta que, além da ausência de vítimas e de provas robustas, a perícia grafotécnica atesta que as assinaturas nos documentos apresentados como prova não são do acusado. A defesa também aponta a inadequação do instrumento jurídico utilizado, afirmando que não há qualquer relação de consumo entre o empresário e as supostas vítimas, o que desqualificaria a utilização da ACP.

A advogada questionou, ainda, a recusa do Tribunal em analisar a inexistência de relação de consumo. O MP/MS ajuizou a ACP alegando que as supostas vítimas teriam mantido uma relação de consumo com o empresário, o que, segundo a defesa, não se configura. “O Tribunal se restringiu a dizer que essas questões ainda não foram analisadas na primeira instância, mas ignorou o fato de estarmos falando de aspectos essenciais, como a inexistência de relação de consumo e ausência de interesse coletivo, o que invalidaria a ação”, afirmou Suzana Camargo.

Além disso, a advogada reforçou que não há qualquer registro de reclamação no Procon contra a Company ou os demais réus, e que não houve oferta de produtos ou serviços. De acordo com a advogada, as práticas investigadas não se enquadram nos direitos previstos pelo CDC. “O CDC conceitua consumidor enquanto pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Onde está a relação de consumo nesta situação? É incabível a utilização de ação civil pública sem sequer apontar relação que possa ser enquadrada como de consumo”, destacou.

A ACP foi ajuizada em junho deste ano, sete anos após os fatos que geraram a investigação. O MP/MS argumenta que a ação visa a proteção do consumidor, tendo como centro a alegada vantagem ilícita de Celso Éder, em prejuízo de aproximadamente 25 mil pessoas que teriam sido atraídas por promessas de altos ganhos financeiros. No entanto, desde 2017, apenas uma pessoa registrou denúncia, e esta não mencionou o empresário na representação.

Embora o TJ/MS tenha reconhecido a existência de indícios de práticas ilícitas, a defesa do empresário argumenta que a perícia grafotécnica concluiu que os contratos apresentados pelo MP/MS não foram assinados por Celso Éder. “Não há provas concretas que vinculem Celso Éder a qualquer ato fraudulento. Basear uma decisão dessa magnitude em suposições tão frágeis é inadmissível. Pode-se criar um precedente perigoso de criminalizar uma pessoa com base somente em hipóteses”, afirmou Suzana Camargo.

A defesa também considera a Ação Civil Pública inadequada para tratar de supostos estelionatos, visto que, conforme a legislação, ações civis dessa natureza devem ser acompanhadas pela representação das vítimas, o que não ocorreu. Esse argumento visa questionar a legitimidade do MP em ajuizar a ação, uma vez que não há interesse coletivo ou difuso que justifique sua intervenção, sendo que os danos mencionados envolvem relações de natureza privada.

Suzana Camargo destacou ainda que, mesmo se o crime de estelionato fosse configurado, uma ACP não seria o instrumento adequado para reparar os danos às vítimas. “Para isso, existe uma ferramenta própria, a ação civil ‘ex delicto’, que visa reparar os danos causados por um crime, seja material ou moral, e cuja legitimidade não é do Ministério Público, mas da própria vítima, seu representante legal ou herdeiros”, explicou.

A advogada também questionou a base da ACP, que se fundamenta em duas ações penais ainda não sentenciadas, uma das quais sequer envolve Celso Éder como denunciado. Ainda ressaltou a prescrição do caso, uma vez que a Lei de Ação Popular e a jurisprudência dos tribunais superiores estabelecem um prazo de cinco anos para a propositura de ações dessa natureza, enquanto a ACP foi ajuizada sete anos após os fatos.

“É incabível a utilização da ação civil pública diante da inexistência de relações de consumo, da ausência de provas concretas e de vítimas identificadas. Nem tampouco há relevância social a permitir essa medida. Diante disso, solicitamos a extinção do processo, pedimos que seja reconhecida a ilegitimidade do Ministério Público para propor tal ação e que se acolha a tese de prescrição, encerrando o caso em favor do empresário”, concluiu a advogada.

Com os embargos de declaração – que visam apontar omissões ou contradições na decisão do tribunal – a defesa espera que o TJ/MS revise sua posição, especialmente no que tange à análise da relação de consumo e à atuação do Ministério Público.

A defesa alega que, ao confirmar a decisão inicial, o Tribunal não analisou questões de ordem pública relevantes, configurando supressão de instância. Segundo a defesa, essas questões podem ser avaliadas em qualquer grau de jurisdição, conforme o artigo 485, §3º, do Código de Processo Civil.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça também corrobora que, em agravo de instrumento, o Tribunal pode apreciar matérias de ofício, podendo até extinguir a ação principal, caso identifique irregularidades processuais. Diante disso, a defesa solicitou que o Tribunal reconsidere sua posição e examine questões como a legitimidade do Ministério Público para ajuizar a ação.

Outro ponto controverso levantado pela defesa diz respeito à aplicação da teoria da asserção, que, segundo o Tribunal, foi utilizada para remeter a análise da legitimidade ativa do MP e da existência de relação de consumo ao mérito da ação. A defesa argumenta que, de acordo com a teoria da asserção, essas questões devem ser analisadas preliminarmente, sem adentrar o mérito, o que não ocorreu no caso, comprometendo a segurança jurídica.

Além disso, a advogada apontou omissão em relação à análise da prescrição, que deveria ser reconhecida ex officio, tendo em vista que os autos indicam o transcurso do prazo prescricional. O Código de Processo Civil estabelece que a prescrição é matéria de ordem pública e pode ser analisada em qualquer grau de jurisdição, o que não ocorreu no julgamento do acórdão, que remeteu a questão ao juízo de origem.

Caso os embargos de declaração não resultem em alteração do julgamento, a defesa já sinalizou a possibilidade de recorrer ao Superior Tribunal de Justiça.