Dois homens condenados por lesão corporal de natureza grave contra uma mulher, sem que ela fosse ouvida no inquérito policial e na instrução processual, tiveram o recurso de apelação provido. A 9ª Câmara Criminal Especializada do Tribunal de Justiça de Minas Gerais os absolveu por insuficiência de prova.
Relatora do recurso, a desembargadora Valéria Rodrigues reconheceu que ficou demonstrada a materialidade do delito pelo auto de prisão em flagrante, pelo relatório médico e pelo exame corporal. Contudo, em relação à autoria, a magistrada apontou a deficiência probatória para fundamentar uma condenação.
“As provas são frágeis para embasar um édito condenatório, visto que a vítima, além de não ter sido ouvida na fase policial, não foi ouvida na fase judicial, gerando fundadas dúvidas em relação à dinâmica dos fatos”, anotou a relatora. Ela classificou como “inconcebível” a condenação, “sem qualquer prova hábil” para ampará-la.“O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas”, observou Valéria Rodrigues. O seu voto foi seguido por unanimidade.
Conforme os autos, a mulher foi atingida por golpes de barra de ferro. De modo informal, segundo policiais militares, ela apontou os apelantes como os autores da agressão. Com base nessa informação, os PMs localizaram os acusados, que foram autuados em flagrante, sem que a vítima fosse ouvida na delegacia naquela ocasião ou posteriormente.
O Ministério Público denunciou os acusados. Porém, como a vítima não ratificou em juízo o que teria relatado aos policiais, o MP pediu a absolvição dos réus por insuficiência de provas. Nas contrarrazões da apelação, o órgão acusatório se manifestou pelo conhecimento e provimento do recurso, em razão da fragilidade probatória.
Parecer da Procuradoria-Geral de Justiça suscitou, como preliminar, ofensa ao sistema acusatório por parte do juízo da 2ª Vara Criminal e de Execuções Penais da Comarca de Araguari (MG). No mérito, também opinou pelo conhecimento e provimento do recurso defensivo.
Segundo o acórdão, nada impede que uma condenação se baseie nos elementos colhidos no inquérito, desde que sejam confirmados em juízo, ou, ao menos, estejam em harmonia com as provas coletadas sob o crivo do contraditório e da ampla defesa. “O que não pode ocorrer é a condenação subsidiada unicamente nas provas colhidas na fase inquisitiva.”