Campo Grande/MS, 04 de setembro de 2024.
O ministro Rogerio Schietti Cruz, do Superior Tribunal de Justiça, fez valer o entendimento firmado pela corte e concedeu Habeas Corpus para despronunciar, por falta de provas de autoria, dois acusados de matar por espancamento um homem. Atribuído a um grupo neonazista, o homicídio ocorreu em 2009, na 8ª edição da Parada LGBT+ de São Paulo. Ao todo, nove pessoas foram denunciadas.
“Reafirmo que a atual compreensão deste egrégio tribunal é a de que deve haver provas judicializadas para subsidiar a decisão de pronúncia, de modo que ela não se pode fundar, exclusivamente, em elementos informativos”, frisou Schietti. A decisão derrubou acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo segundo o qual “há indícios de que os réus se reuniram e planejaram agredir participantes do movimento ‘parada gay’”.
Advogados de um dos acusados, Renata Medeiros R. Nagib Aguiar e Victor Nagib Aguiar sustentaram no Habeas Corpus que a pronúncia do cliente se baseou apenas em informações colhidas na fase do inquérito policial, não ratificadas por provas produzidas judicialmente. Os defensores também disseram que o acórdão do TJ-SP se reportou ao brocardo in dubio pro societate (na dúvida, a favor da sociedade), o qual não tem amparo legal.
Schietti reconheceu similitude fático-processual entre os dois réus. Juntos com um terceiro réu, eles foram apontados na denúncia como os autores de socos, chutes e golpes de barra de ferro na vítima. Em relação aos outros seis acusados, o Ministério Público narrou na inicial que eles contribuíram para o crime, incentivando os agressores e lhes dando cobertura para avisá-los sobre a eventual chegada de policiais.
Duas testemunhas disseram no inquérito que viram os réus atacando a vítima. Porém, uma delas não confirmou esse relato em juízo e alegou que a torturaram na delegacia. A outra sequer depôs na instrução processual. Desse modo, Schietti entendeu ser o caso de despronunciar esses réus, com a ressalva de que, enquanto não ocorrer a extinção da punibilidade, poderá ser formulada nova denúncia, se surgir prova inédita.
A fragilidade probatória já havia sido apontada pelo juízo da 1ª Vara do Júri da Capital ao impronunciar os réus: “As testemunhas em alguns momentos apontam uns como sendo os agressores e em outros momentos apontam outros, trazendo clara dúvida acerca de quais seriam efetivamente aqueles que executaram a figura delitiva e de quais seriam os que efetivamente auxiliaram em tal empreitada”.
O chefe de cozinha Marcelo Campos de Barros, de 35 anos, foi agredido em 14 de junho de 2009, dia da Parada LGBT+. Após ficar três dias hospitalizado na Santa Casa de São Paulo, ele morreu de traumatismo craniano. Policiais da Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi) investigaram o caso e atribuíram o ataque a um grupo neonazista que nutre ódio por judeus, negros, homossexuais e migrantes nordestinos e nortistas.
Segundo o promotor Roberto Tardelli, prevalecendo-se da superioridade numérica, o grupo espancou o chefe de cozinha, que era negro e homossexual, por motivo torpe, com meio cruel e emprego de recurso que impossibilitou a sua defesa. O representante do MP concluiu que, para satisfazer os seus “vis ideais de desprezo, preconceito, intolerância, os denunciados demonstraram toda sua capacidade destrutiva”.
O caso teve grande repercussão. A Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados publicou nota para repudiar a violência e cobrar das autoridades providências na identificação e responsabilização dos autores. A Parada LGBT+ de 2009 reuniu 3,1 milhões de pessoas, segundo os organizadores, e mais de 20 ficaram feridas com a explosão de uma bomba supostamente arremessada pelo grupo neonazista.
HC 885.736
HC 934.071
Fonte: https://www.conjur.com.br/2024-set-04/stj-afasta-in-dubio-pro-societate-e-livra-de-juri-reus-de-homicidio-em-parada-lgbt/