O acórdão futurista do Desembargador Ruy Celso Barbosa Florence

Campo Grande, 27 de junho de 2024

Apelação Criminal – Nº 0003527-75.2022.8.12.0002  – Dourados

VOTO

O Sr. Des. Ruy Celso Barbosa Florence (Vogal)

Relembrando. Cuida-se de recurso de apelação interposto por (…), contra a sentença proferida pelo Juiz de Direito da 1ª Vara Criminal da comarca de Dourados, que o condenou pela prática do crime de estupro, previsto no art. 213, caput, do Código Penal, à pena de 06 (seis) anos de reclusão, em regime semiaberto, bem como ao pagamento de indenização, por danos morais, no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) em favor da vítima.

Busca sua absolvição por insuficiência de provas ou, subsidiariamente, a desclassificação da conduta para o delito de importunação sexual, previsto no art. 215-A, do Código Penal.

A Procuradoria de Justiça, embora tivesse manifestado em seu parecer pelo não provimento do recurso (p. 436-448), após sustentação oral em plenário, alterou seu posicionamento e opinou pela absolvição do apelante.

Mesmo após a manifestação da d. Procuradoria de Justiça, o e. Relator encaminhou seu voto pela manutenção da condenação do apelante.

O 1º Vogal, Des. José Ale Amad Neto pediu vistas dos autos.

Na condição de segundo vogal, pedi vênias ao 1º Vogal e adiantei oralmente meu voto pela absolvição, fundamentando-o, em poucas palavras, na impossibilidade de condenação, em respeito ao princípio do contraditório, face ao requerimento absolutório do Ministério Público, protestando, em seguida, pela juntada posterior do voto escrito.

Passo ao esclarecimento do voto oral já proferido.

No caso, o d. Procurador de Justiça, em plenário, manifestou-se pela absolvição do apelante, pois entendeu haver fortes indícios de que o ato sexual ocorrido entre o acusado e a vítima foi consentido, especialmente porque, após o suposto abuso, ela voltou para casa na companhia do apelante, inexistindo, portanto, provas seguras para o édito condenatório.

Pois bem, a Constituição Federal de 1988 atribuiu ao Ministério Público a função de promover, privativamente, a ação penal pública (art. 129, I), na forma da lei. A atividade persecutória persiste até o término da ação penal.

Assim, se o órgão acusador, titular da ação penal pública, requer a absolvição do réu, retirando de forma indireta a acusação, não cabe ao juiz proferir decreto condenatório, sob pena de violar o princípio acusatório, previsto expressamente no art. 3º-A do Código de Processo Penal, pois caso contrário, o magistrado exerceria simultaneamente as funções de acusar e julgar.

Ademais, admitir-se, atualmente, esse tipo de procedimento pela Justiça, mesmo após a edição da Lei 13964/2019, que acrescentou a letra “A” ao art 3º do CPP (validado pelas ADIs 6.928, 6.300 e 6.305 do STF) deixando expressa a adoção do sistema acusatório no sistema penal brasileiro, reforçando o princípio que já advinha da CARTA MAGNA, seria violar também, sem justificativa jurídica, os princípios do devido processo legal e do contraditório.

Não por outro motivo, a Associação Nacional da Advocacia Criminal (Anacrim) requereu, em 29 de janeiro de 2024, ao Supremo Tribunal Federal, reconheça a não recepção do art. 385 do CPP pela Constituição Federal.

O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou sobre a matéria:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PENAL. PROCESSUAL PENAL. INTIMAÇÃO DO ADVOGADO CONSTITUÍDO. REGULARIDADE DO ATO PROCESSUAL. ART. 337-A, III, DO CÓDIGO PENAL. DELITO DE NATUREZA MATERIAL. MERA INADIMPLÊNCIA TRIBUTÁRIA. NÃO CONFIGURAÇÃO DO CRIME DE SONEGAÇÃO. DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA ACESSÓRIA. NÃO CARACTERIZAÇÃO DO CRIME DO ART. 337-A DO CP. MONOPÓLIO DA AÇÃO PENAL PÚBLICA. TITULARIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. PEDIDO MINISTERIAL DE ABSOLVIÇÃO. NECESSÁRIO ACOLHIMENTO. ART. 3º-A do CPP. OFENSA AO PRINCÍPIO ACUSATÓRIO. AGRAVO REGIMENTAL  DESPROVIDO.  ORDEM  CONCEDIDA  DE  OFÍCIO.  1.

Reputa-se válida a publicação dirigida a um dos advogados constituídos, quando ausente requerimento de intimação exclusiva. 2. O delito de sonegação de contribuições previdenciárias, previsto no art. 337-A do CP é de natureza material, consiste na efetiva supressão ou omissão de valor de contribuição social previdenciária, não sendo criminalizada a mera inadimplência tributária. 3. O descumprimento de obrigação tributária acessória, prevista no inciso III do art. 337-A do CP, por omissão ao dever de prestar informações, sem demonstração da efetiva supressão ou omissão do tributo, não configura o crime previsto no caput do art. 337-A do CP. 4. Nos termos do art. 129, I, da Constituição Federal, incumbe ao Ministério Público o monopólio da titularidade da ação penal pública. 5. Tendo o Ministério Público, titular da ação penal pública, pedido a absolvição do réu, não cabe ao juízo a quo julgar procedente a acusação, sob pena de violação do princípio acusatório, previsto no art. 3º-A do CPP, que impõe estrita separação entre as funções de acusar e julgar. 6. Agravo regimental desprovido. Ordem concedida de ofício para anular o processo após as alegações finais apresentadas pelas partes. (AgRg no AREsp n. 1.940.726/RO, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), relator para acórdão Ministro João Otávio de Noronha, Quinta Turma, julgado em 6/9/2022, DJe de 4/10/2022.)

Sendo assim, considerando-se a condição de “dominus litis”, outorgada ao Ministério Público pela Constituição da República Federativa do Brasil, é imperioso o acolhimento da manifestação ministerial para que o réu seja absolvido por insuficiência de provas.

Ante o exposto, divirjo do e. Relator e, com o parecer exarado na sessão de julgamento, encaminho o voto para dar provimento ao recurso de apelação interposto por (…) para absolvê-lo da imputação pelo crime previsto no art. 213, do CP, com base no art. 386, VII, do CPP.

É como voto.

EMENTA – APELAÇÃO CRIMINAL – CRIME DE ESTUPRO – PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO – DÚVIDA SOBRE O CONSENTIMENTO DO ATO – AÇÃO PENAL PÚBLICA – TITULARIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO – ART. 129, I, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – PEDIDO MINISTERIAL DE ABSOLVIÇÃO – ACOLHIMENTO NECESSÁRIO – PRINCÍPIO ACUSATÓRIO – ART. 3º-A DO CPP – APELAÇÃO PROVIDA – ABSOLVIÇÃO DECRETADA.

Havendo sérios indícios de que o ato sexual teria sido consentido, inexistem provas seguras para um édito condenatório por delito tão grave.

A teor do art. 129, I, da Constituição Federal, incumbe ao Ministério Público a exclusividade da ação penal pública. Tendo o Ministério Público, através da Procuradoria de Justiça em segunda instância, pedido a absolvição do réu, retirando, assim, a acusação, imperioso se faz o acolhimento da manifestação ministerial, sob pena de violação do princípio acusatório previsto expressamente no art. 3º-A do CPP

c.c o art. 129, I, da Constituição Federal, que estabelece a separação entre as funções de acusar e julgar.

Recurso provido, com o parecer.

 

(TJMS. Apelação Criminal n. 0003527-75.2022.8.12.0002, Dourados, 2ª Câmara Criminal, Relator designado: Des. Ruy Celso Barbosa Florence, j: 11/06/2024, p: 21/06/2024)