Empresa de registro de marcas deve devolver valores a cliente

Campo Grande, 18 de junho de 2024
Para o relator, vidraceiro desconhecia procedimento para registro de marca

Ocorre a lesão contratual quando o cliente, por necessidade ou inexperiência, paga um preço claramente desproporcional ao valor do serviço oferecido pela prestadora.

Com base nesse entendimento, a 15ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo condenou uma empresa de propriedade intelectual a devolver cerca de R$ 30 mil referentes à prestação do serviço de registro de marca a uma vidraçaria de pequeno porte localizada em Guaíba (RS).

Segundo os autos, representantes da empresa ligaram para a vidraçaria para alertá-la de que havia pessoas interessadas em registrar o nome fantasia usado pelo estabelecimento, o que colocaria em risco a titularidade e o uso da marca. Diante disso, a vidraçaria fechou um contrato com a empresa para registrar sua marca no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI).

Posteriormente, a empresa fez mais contatos ofertando serviços e cobranças adicionais. Ela chegou a cobrar um adicional de R$ 15,9 mil para enviar notificações extrajudiciais a supostas concorrentes, que estariam usando a marca da vidraçaria, e mais R$ 5.250 para um suposto registro de direito autoral do logotipo, além de R$ 5.890 para uma suposta liberação de certificado de direito autoral.

Insatisfeita com as cobranças, a vidraçaria ajuizou ação contra a empresa, alegando que a relação continha defeito na origem, já que não havia prova de que terceiros haviam tentado registrar marca idêntica, nem justificativa para as novas parcelas exigidas do estabelecimento. Assim, o contrato deveria ser anulado com base no instituto da lesão contratual, previsto no Código Civil.

Em primeira instância, o juiz da 19ª Vara Cível de São Paulo entendeu que houve cobrança de serviço de acompanhamento já contemplado no contrato inicial e determinou a devolução de parte do valor pago à ré (R$ 1.980). Inconformada com a decisão, a vidraçaria recorreu insistindo na tese de que foi enganada. A empresa, por sua vez, sustentou que prestou serviços sem falhas e que enviou notificações extrajudiciais legítimas.

Inexperiência do cliente

Relator do caso, o desembargador Mendes Pereira observou que o contrato inicial previa a prestação de serviços desde o preparo e a formalização de depósito do logotipo e da marca da vidraçaria no INPI até a entrega do certificado da operação. Ele destacou que o pedido de registro de marca custa no máximo R$ 415, segundo o site do INPI. Em seguida, deu razão à vidraçaria e reconheceu a existência da lesão contratual.

“De acordo com o artigo 157 do Código Civil, ‘ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta’”, anotou o desembargador, para quem o dono da vidraçaria desconhecia a necessidade de proteção de marca e os procedimentos necessários para seu registro.

“A ré espantou o requerente com um risco inexistente e obteve benefício econômico manifestamente desproporcional, tanto pelos valores cobrados (total de R$ 29.820,00), quanto pela inutilidade dos serviços”, concluiu Mendes Pereira ao reformar parcialmente a sentença e dar provimento à anulação do contrato. O julgamento teve a participação dos desembargadores Ramon Mateo Júnior (presidente do colegiado) e Elói Estevão Troly.

Atuaram em defesa da vidraçaria as advogadas Thayane Nunes, sócia da Patamar Marcas e Patentes, e Caroline Spader, sócia da Spader Advogados.

“Ao ingressarmos com a ação, verificamos que a empresa de propriedade intelectual tem dezenas de processos contra si e uma extensa lista de reclamações de seus clientes em sites como Reclame Aqui, justamente por este tipo de prática”, comentou Thayane. “Acreditamos que a decisão inédita do TJ-SP abre um precedente importante para que essa prática passe a ser coibida”, disse Caroline.

 

Fonte: Consultor Jurídico

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