Convenção Belém do Pará: 30 anos de luta por um futuro sem violência

Campo Grande, 10 de junho de 2024

Por: Jacqueline Machado

Em 9 de junho de 1994, na cidade de Belém do Pará-BR, foi assinada a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, também conhecida como Convenção de Belém do Pará. Esse marco histórico completa 30 anos em 2024, e representa um momento crucial para avaliarmos os avanços e desafios na luta por um futuro livre de violência contra mulheres e meninas nas Américas.

A Convenção de Belém do Pará foi o primeiro tratado internacional a definir, prevenir e punir a violência contra a mulher em todas as suas formas, reconhecendo-a como uma violação dos direitos humanos. A assinatura do tratado teve alta adesão pelos países da região, tendo sido ratificada por todos Estados-membros da OEA, com exceção de Canadá, Estados Unidos e Cuba. No Brasil a convenção foi ratificada em 27 de novembro de 1995, passando a vigorar em 27 de dezembro de 1995, conforme Decreto n. 1973/96.[1]

Ela representou um compromisso regional com a proteção das mulheres e meninas e o combate à violência de gênero na região, sendo importante lembrar que em 2022, ao menos 4.050 mulheres foram vítimas de feminicídio em 26 países e territórios da América Latina e do Caribe, segundo os últimos dados informados por organismos oficiais ao Observatório da Igualdade de Gênero da América Latina e do Caribe (OIG) da CEPAL. O número acima representa a morte violenta de uma mulher por razão de gênero a cada duas horas na região.[2]

A Convenção adotou um conceito abrangente de violência contra a mulher, definindo-a como qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada e, ainda, reafirma os direitos humanos das mulheres e estabelece, como forma de enfrentamento, um conjunto de obrigações estatais visando a criação de uma estrutura capaz de prevenir, investigar e punir atos de violência, com abordagem interseccional e especial atenção às mulheres em situação de vulnerabilidade.

O tratado se tornou um marco para a América Latina e o Caribe, sendo um instrumento fundamental para a promoção da igualdade de gênero e a proteção dos direitos das mulheres dessa região, servindo de base para a elaboração de leis nacionais em diversos países, além de inspirar políticas públicas e ações de conscientização sobre a violência contra a mulher.

Nas últimas três décadas, graças à Convenção de Belém do Pará e à mobilização da sociedade civil, avanços significativos foram conquistados na luta contra a violência contra a mulher nas Américas. Entre os principais avanços, podemos destacar:

  • Aumento da visibilidade da violência contra a mulher: O tema deixou de ser um tabu e passou a ser abertamente discutido na sociedade.
  • Criação de mecanismos de denúncia e atendimento às vítimas: Foram criados canais de denúncia como telefones e delegacias especializadas, além de serviços de apoio psicológico, jurídico e social para as vítimas.
  • Aprovação de leis de proteção à mulher: Diversos países da região aprovaram leis específicas para punir os agressores e proteger as vítimas de violência contra a mulher.
  • Conscientização da sociedade sobre a violência de gênero: Campanhas de conscientização e ações educativas contribuíram para sensibilizar a população sobre a importância do respeito às mulheres e da igualdade de gênero.

Apesar dos avanços conquistados, a violência contra a mulher ainda é uma grave realidade nas Américas. Segundo dados da ONU Mulheres, uma em cada três mulheres na região já sofreu algum tipo de violência física ou sexual em sua vida. Em razão disso, como mecanismos de monitoramento da convenção estão previstos:(i) a inclusão de informações sobre violência de gênero nos relatórios a serem apresentados à Comissão Interamericana de Mulheres da OEA; (ii) a competência da Corte Interamericana de Direitos Humanos para elaborar opiniões consultivas sobre a interpretação da convenção; e, (iii) a possibilidade de submissão  ao sistema de petições individuais do Sistema Interamericano denúncias sobre violações ao art. 7º. da convenção, o qual especifica os deveres dos Estados para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher.

Desafios como a falta de acesso à justiça, a impunidade dos agressores e a persistência de estereótipos de gênero ainda dificultam a efetiva proteção das mulheres e meninas. É necessário continuar investindo em ações de prevenção, punição dos agressores e apoio às vítimas, além de promover uma mudança cultural profunda que elimine a discriminação e a violência contra a mulher.

A Convenção de Belém do Pará continua sendo um instrumento fundamental para um futuro sem violência e, por isso, é necessário fortalecer seus mecanismos de monitoração e garantir que seus princípios sejam plenamente aplicados em todos os países da região, a fim de que todas as mulheres e meninas latino americanas e caribenhas possam viver livres de violência e alcançar seu pleno potencial.

[1] https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1996/d1973.htm

[2] https://www.cepal.org/pt-br/comunicados/segundo-cepal-2022-menos-4050-mulheres-foram-vitimas-femicidio-ou-feminicidio-america