Campo Grande, 21 de maio de 2024
Anteprojeto foi entregue no Senado no dia 17 abril
Por: Angélica Colman
O Código Civil regula toda a vida das pessoas, mesmo antes do nascimento e até depois da morte. Entre as inovações propostas no anteprojeto estão sugeridas mudanças em temas muito diversos, como família, regulação de empresas e contratos, herança, propriedade, direito dos animais e direito digital.
A comissão de juristas responsável pela revisão do Código Civil entregou o anteprojeto ao Senado no dia 17 de abril. A comissão de juristas foi criada pelo presidente do Senado em agosto de 2023, e foi coordenada pelo ministro Luis Felipe Salomão, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), com 38 integrantes.
Desde então, foram realizadas audiências públicas em quatro cidades (São Paulo, Porto Alegre, Salvador e Brasília), nas quais foram ouvidos mais de 30 especialistas em direito civil.
O advogado João Paulo Cestari Grotti fez comentários críticos positivos sobre patrimônio digital. Para ele, a inclusão do patrimônio digital no direito sucessório, abrangendo perfis e senhas de redes sociais, criptomoedas, contas de jogos, fotos, vídeos, textos e milhas aéreas, é uma evolução necessária que reflete a importância crescente desses ativos na vida moderna. “Permitir que esses bens sejam descritos em testamentos e herdados garante o respeito aos desejos do falecido e protege os direitos dos herdeiros. A possibilidade de sucessores legais solicitarem a exclusão ou conversão em memorial de perfis em redes sociais honra a memória dos falecidos e protege a privacidade dos familiares”, explica Grotti.
João Paulo diz ainda, que para a efetiva aplicação dessas normas no processo civil, é crucial especificar como provar a titularidade e a existência dos ativos digitais, utilizando documentação e registros eletrônicos confiáveis, assegurando assim a segurança jurídica e a eficácia na transmissão desses patrimônios, além de garantir um procedimento ágil e transparente no inventário e na partilha de bens.
Já para o advogado Nicola Scaffa, a liberdade contratual, fundamental no direito privado, tem sido objeto de crescente intervenção por parte do judiciário, muitas vezes de maneira questionável. “Considerando que as partes contratantes geralmente estão em pé de igualdade, é crucial que o princípio do ‘pacta sunt servanda’ e do ‘venire contra factum proprium’ sejam preservados”, comenta Scaffa.
Nicola diz ainda, que esta mudança proposta no Código é um passo significativo para fortalecer a credibilidade das relações contratuais, reforçando a aplicação da boa-fé objetiva entre os contratantes.
Veja abaixo as principais atualizações sugeridas:
FAMÍLIA
Ampliação do conceito de família
Prevê a família conjugal (formada por um casal) e o vínculo não conjugal (mãe e filho, irmã e irmão), que passa a se chamar “parental”;
Substitui o termo “entidade familiar” por “família”; “companheiro” por “convivente” e “poder familiar” por “autoridade parental”.
Socioafetividade
Reconhece a socioafetividade, quando a relação é baseada no afeto e não no vínculo sanguíneo.
Multiparentalidade
Reconhece a multiparentalidade, coexistência de mais de um vínculo materno ou paterno em relação a um indivíduo.
Registro/DNA
Prevê o registro imediato da paternidade a partir da declaração da mãe quando o pai se recusar ao exame de DNA.
Vida
Reconhece a potencialidade da vida humana pré-uterina e a vida pré-uterina e uterina como expressões da dignidade humana.
CASAMENTO E DIVÓRCIO
União homoafetiva
Legitima a união homoafetiva, reconhecida em 2011 pelo Supremo Tribunal Federal (STF);
Acaba com as menções a “homem e mulher” nas referências a casal ou família.
Divórcio unilateral
Prevê o divórcio ou dissolução de união estável solicitados por uma das pessoas do casal, sem a necessidade de ação judicial;
O pedido deve ser feito no cartório onde foi registrada a união. O cônjuge será notificado e terá um prazo para atender.
Regime de bens
Permite alteração do regime de bens do casamento ou da união estável em cartório; hoje só com autorização judicial.
Alimentos gravídicos
Cria os chamados “alimentos gravídicos”, pensão que será devida desde o início até o fim da gestação.
REPRODUÇÃO ASSISTIDA E DOAÇÃO DE ÓRGÃOS
Reprodução assistida
Proíbe o uso das técnicas reprodutivas para criar seres humanos geneticamente modificados, embriões para investigação científica ou para escolha de sexo ou raça.
Óvulos e espermatozoides
Veda a comercialização de óvulos e espermatozoides;
Não reconhece vínculo de filiação entre o doador e a pessoa nascida a partir do seu material genético.
Doação de órgãos
Dispensa autorização familiar para doação de órgãos quando o doador falecido tiver deixado, por escrito, permissão para o transplante;
Sem manifestação prévia, a autorização poderá ser dada por familiares
Saúde
Garante o direito de a pessoa indicar antecipadamente quais tratamentos de saúde deseja ou não realizar, caso fique incapaz no futuro.
Barriga solidária
Proíbe a “barriga de aluguel”;
Autoriza a barriga solidária, desde que a gestação não seja possível em razão de causa natural ou em casos de contraindicação médica.
ANIMAIS
Seres sencientes
Considera os animais seres capazes de ter sensações e emoções, e com proteção jurídica própria.
Indenização
Prevê reparação por maus-tratos e indenização a quem sofra dano moral por problemas com seu animal de estimação.
Despesas
Guarda e despesas de manutenção de animais de estimação podem ser compartilhadas entre ex-cônjuges.
BENS
Herança
Cônjuges deixam de ser herdeiros se houver descendentes (filhos, netos) e ascendentes (pais, avós). Nesse caso, apenas esses terão direito à herança.
Doação de bens
Doações de pessoa casada ou em união estável a amantes podem ser anuladas pelo cônjuge, ou por seus herdeiros até dois anos depois do fim do casamento.
USUCAPIÃO
Pedido em cartório
Possuidor de imóvel pode requerer diretamente ao cartório — e não mais ao juiz — a declaração de aquisição da propriedade por meio de usucapião.
Rural
Para combater a grilagem, o direito ao reconhecimento de propriedade só pode ser exercido uma única vez. Hoje não há limite na lei.
Urbano
Quem ocupar moradia de até 250m² em área urbana por cinco anos ininterruptos e sem oposição poderá ser seu dono.
Familiar
Quem exercer a posse de um imóvel urbano de até 250 m² que dividia com ex-cônjuge ou ex-convivente que saiu do local por dois anos ininterruptos terá a propriedade integral.
DÍVIDAS E PRESCRIÇÃO
Dívidas
Proíbe penhora de imóvel do devedor e sua família se for o único bem que possuírem;
Moradia de alto padrão pode ser penhorada em 50%. A outra metade permanece em posse do devedor.
Prescrição do direito
Reduz de 10 para 5 anos o prazo geral de prescrição (limite de tempo em que se pode pedir na Justiça o cumprimento de um direito).
Juros
Contratos não podem prever taxas de juros por inadimplência maiores que 2% ao mês.
EMPRESAS
Liberdade contratual
Reforça a ideia de liberdade contratual, principalmente nas contratações em que as partes estejam em igualdades de condições.
Empresa estrangeira
Exige que sociedades estrangeiras tenham sede e representante no Brasil para atuar no país.
DIREITO DIGITAL
Fundamentos
Cria o direito digital, estabelecendo direitos e proteção às pessoas no ambiente virtual;
Garante a remoção de links em mecanismos de buscas de conteúdos que tragam imagens pessoais íntimas, pornografia falsa, e crianças e adolescentes;
Cria possibilidade de indenizações por danos sofridos em ambiente virtual;
Plataformas digitais passam a responder civilmente pelo vazamento de dados e devem adotar mecanismos para verificar a idade do usuário.
Patrimônio digital
Define patrimônio digital como os perfis e senhas de redes sociais, criptomoedas, contas de games, fotos, vídeos, textos e milhas aéreas;
O patrimônio digital pode ser herdado e descrito em testamento;
Sucessores legais podem pedir a exclusão ou conversão em memorial dos perfis em redes sociais de pessoas falecidas.
Identidade e assinatura digital
Regulamenta o uso de assinatura eletrônica;
Reconhece a identidade digital como meio oficial de identificação dos cidadãos.
Inteligência artificial
Exige identificação clara do uso de IA;
Exige autorização para criação de imagens de pessoas vivas e falecidas por meio de IA.